Castaneda Vivo 1

Luis Carlos Maciel (*)

Carlos Castaneda (sem til, por favor) foi um escritor de muitas qualidades. Sua prosa é simples, elegante, concisa e se caracteriza principalmente pelo humor maravilhoso. Talvez por não ser americano de nascença e escrever originalmente em inglês, seu tratamento da língua tem uma originalidade e um frescor marcantes. Seu estilo pessoal e seu olhar particularmente agudo foram alguns dos responsáveis por seu explosivo sucesso nos anos 60. Não os únicos, porém. É claro que houveram ainda outros fatores para esse sucesso, como por exemplo a descrição dos efeitos de plantas alucinógenas como o Peiote e o cogumelo mágico mexicano ou o seu postulado da magia, ou feitiçaria, como um fenômeno natural. Mas as plantas de poder, como ele as chamava, só aparecem nos seus quatro primeiros livros e a magia, ou feitiçaria, é apresentada como uma investigação profunda da natureza da consciência humana.

Um homem filosoficamente informado, Castaneda resumiu o objeto dessa investigação afirmando que "a feitiçaria é a práxis da fenomenologia". Ele sempre recusou o rótulo de ficção para seus livros. Por mais ceticismo que provocassem ao descrever acontecimentos mágicos e maravilhosos, Castaneda sempre reiterou que faz um relato factual de suas experiências. Seus livros The Teachings of Don Juan (a erva do diabo) e Tales of Power (porta para o infinito), aliás, foram apresentados como teses para a obtenção de graus universitários, na Universidade de Los Angeles. De qualquer maneira, imaginado ou copiado da experiencia vivida, ficção ou realidade, seu Don Juan, o velho índio que foi seu mestre, é um dos personagens mais fascinantes da literatura do século XX. É um mentor, no sentido clássico, um velho sábio que contudo conserva o vigor físico, a inteligência superior, um bom humor irrepreensível e uma capacidade histriônica simplesmente inigualável. É um filósofo, um sacerdote, um atleta e um comediante, tudo ao mesmo tempo e sintetizado numa personalidade única e apaixonante.

Os quatro primeiros livros de Castaneda (The Teachings..., A Separate Reality, Journey to Ixtlan e Tales of Power) - (erva do diabo, uma estranha realidade, viagem a Ixtlan e Porta para o Infinito) foram, não só amados por seus leitores, como aclamados pela crítica. Reconhecia-se a qualidade de sua prosa, a lucidez de sua visão do mundo, a sensatez dos ensinamentos do velho índio. Os ensinamentos de Don Juan passaram, inclusive, a ser utilizados por vários tipos de psicoterapeutas em seus pacientes. A necessidade de "viver como um guerreiro" não deixava dúvidas. Entretanto, a partir do quinto livro, até o último (The Second Ring of Power, The Eagle's Gift, The Fire Within, The Power of Silence, The Art of Dreaming), (o segundo círculo do poder, o presente da águia, fogo interior e o poder do silêncio) Castaneda passou a ser questionado quando não diretamente atacado como mistificador. Havia uma mudança em seus escritos. Pois se os quatro primeiros livros se resumiam, quase, à instrução do mestre ao discípulo, os cinco seguintes passaram a revelar a existência de uma tradição esotérica que remonta à civilização tolteca, no México, e alcança aos nossos dias, através de transmissão oral feita por grupos secretos de feiticeiros. Revelava-se, assim, que Don Juan não era apenas um indivíduo superior, um mestre isolado, mas o líder de um desses grupos. Os acontecimentos se complicavam consideravelmente e surgiam indícios de que tudo poderia não passar de uma ficção intrincada, embora Castaneda continuasse assegurando sua autenticidade. De qualquer modo, se esses novos desenvolvimentos foram rejeitados por muitos que haviam admirado os primeiros livros, eles também criaram um público específico e bem caracterizado, os leitores e seguidores fiéis de Castaneda. 

Tendo vivido muitos anos de maneira inaccessível, como ele próprio definia sua reclusão, como um estilo de vida necessário ao feiticeiro, Castaneda tornou a aparecer em público, nos últimos anos. Declarou que teria pouco tempo entre nós e que, portanto, tinha urgência em transmitir seus conhecimentos de maneira mais ampla. Organizou seminários, editou fitas de vídeo, botou sites na Internet, publicou boletins, enfim, desenvolveu intensa atividade pública para divulgar suas idéias - o que levou alguns a criticá-lo dizendo, por exemplo, que ele havia se tornado apenas mais um guru típico da New Age. Talvez a crítica seja justa. 

Por outro lado, Castaneda continuou sendo, até a última linha que escreveu, um pensador sutil e profundo, um escritor de nível superior e, possivelmente, um mestre de verdade. Provavelmente continuou sendo também um feiticeiro capaz de explorar outros níveis da realidade. Na pior das hipóteses, seus livros, sua doutrina e até seu mito ainda constituem uma força espiritual positiva cujos efeitos devem continuar a se fazer sentir mesmo daqui por diante, depois de seu desaparecimento.


Castaneda Vivo 2

 

Os leitores brasileiros de Carlos Castaneda que, há muitos anos sonhavam em colocar em prática os ensinamentos de seu mestre índio, o célebre Dom Juan, tiveram uma oportunidade de transformar seu desejo em realidade. Foi no seminário sobre Tensegridade realizado em São Paulo, este ano. Aprendizes de aprendizes diretos de Dom Juan estiveram entre nós para ensinar essas novas técnicas que o próprio Castaneda apresentou em seu livro Passes Mágicos, como uma versão "modernizada" dos "passes mágicos" ensinados por seu mestre Dom Juan. Os leitores de Castaneda que tinham notícia dessa prática através de seus livros puderam ver (e praticar) sua versão modernizada, ao vivo.

Castaneda desapareceu em 1999 - morrendo e sendo cremado, segundo os registros oficiais, ou passando para outra dimensão da realidade, segundo seus aprendizes. A sua trajetória, observada através da sucessão de seus onze livros e das noticias que davam conta de suas atividades, passou por diversas fases. Na primeira, ainda nos anos 60, ele surgiu como um antropólogo que encontrou um xamã índio, da tribo dos yaqui do México. Ele o chamou de Dom Juan Matus, o mestre que o ensinou um novo conhecimento cujos princípios ele passou a expor em seus livros. Esses obras, grandes best sellers internacionais, tornaram seu autor, que era professor na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, famoso em todo mundo. Os ensinamentos de Dom Juan impressionavam as pessoas por sua argúcia, sensatez e profundidade; o estilo de Castaneda seduzia por sua elegância, simplicidade e olhar irresistível. A interação dos protagonistas expressava a relação arquetípica entre o velho sábio e o jovem aprendiz, uma relação poderosa no inconsciente coletivo, que conquistou leitores apaixonados e o entusiasmo dos críticos.

Numa segunda fase, nos anos 70, no auge do sucesso, Castaneda pede demissão de seu emprego na Universidade e simplesmente desaparece. Declara que vai se dedicar integralmente ao caminho para o conhecimento que Dom Juan lhe revelou - e ninguém mais consegue encontrá-lo, nem pretensos discípulos, nem jornalistas, nem mesmo os editores de seus livros cujos originais passam ser entregues sem a sua presença física.

Os novos trabalhos revelam que a visão de mundo e as lições dos primeiros livros não se limitavam a uma simples relação de mestre e discípulo mas faziam parte de uma tradição esotérica que remontaria à desaparecida civilização tolteca no México. O conhecimento era transmitido por transmissão oral entre grupos de escolhidos, através das gerações. E Castaneda fora escolhido para ser o sucessor do próprio Dom Juan como líder de um grupo de iniciados nessa tradição. Um desses livros, entretanto, O Presente da Águia, revela que ele falhou nessa missão e que o grupo que ele deveria liderar se dispersou, não se tendo mais noticias de seus componentes. Por essa época, o público de Castaneda limitou-se aos seus admiradores mais fiéis e, de modo geral, a crítica passou a tratá-lo de modo mais desfavorável, acusando-o inclusive de tentar passar pura ficção por relato verídico.

Depois da partida de seu mestre Dom Juan deste mundo, em 1973, e de seu fracasso como líder do novo grupo esotérico que deveria continuar a tradição, Castaneda parece ter atravessado anos difíceis. Seus leitores foram surpreendidos com uma nota no início do livro O Fogo Interior, de 1984, em que ele admitia ter ficado gravemente doente e creditava sua recuperação a um novo mestre ("incomparável") designado pelas iniciais H.Y.L. - que depois os leitores ficaram sabendo tratar-se do mestre de Kung Fu, Howard Lee.

Numa terceira fase, já nos anos 90, Castaneda reapareceu publicamente. Revelou que liderava um novo grupo de "guerreiras", formado por três discípulas de Dom Juan - Carol Tiggs, Florinda Donner-Grau e Taisha Abelar, das quais só a primeira, Carol Tiggs, fora mencionada em seus livros. As outras duas, desconhecidas até então, no entanto também passaram a publicar livros, dando conta de seu próprio aprendizado com Dom Juan, diferente do recebido por Castaneda por elas serem mulheres. Se, antes, Castaneda era a única figura pública a testemunhar sobre a existência de Dom Juan, apresentavam-se agora mais duas testemunhas - Florinda e Taisha.

Foi nessa terceira fase, com esse novo grupo só de mulheres, que Castaneda revelou o abandono da tradição esotérica que viera até ele, através de Don Juan. E anunciou a seguir que, agora, o conhecimento que ele adquirira seria transmitido, num movimento exotérico, para todas as pessoas, através de seminários, vídeos e novos livros. Para tanto, ele explicou que criara a Tensegridade - palavra que sintetiza as idéias de tensão e integridade - como uma prática que modernizava os antigos passes mágicos de Dom Juan. E, ao contrário do sumiço inflexível dos anos anteriores, fez então várias aparições públicas, nesses seminários. Dois novos livros, os últimos que ele publicaria, constam dessa derradeira fase: A Roda do Tempo, em que ele resume os livros anteriores até O Poder do Silêncio (o único que não consta dessa síntese é A Arte de Sonhar) através de uma seleção comentada de citações, e O Lado Ativo do Infinito.
    Depois que Castaneda se foi, os aprendizes de Carol Tiggs, Florinda Donner-Grau e Taisha Abelar estão dando continuidade à tarefa de difundir os ensinamentos e as práticas da Tensegridade em todo o mundo. É como parte desse trabalho que eles estiveram entre nós. O objetivo fundamental era dissipar pelo menos parte do mistério que, durante décadas, envolveu os ensinamentos de Dom Juan, tornando-os accessíveis a todos.

Durante aqueles anos, não só o mestre, Dom Juan, como também o seu discípulo principal, o próprio Castaneda, e a própria aplicação prática da doutrina, eram inaccessíveis. Muitos candidatos a uma instrução direta, pessoal, os procuravam de todas as maneiras, mas inutilmente. Segundo a tradição da linhagem de Dom Juan, esses pretensos discípulos não podiam ser aceitos só porque assim o desejavam; nem o próprio Dom Juan podia aceitá-los por vontade própria. O conhecimento era secreto e só um desígnio superior que os livros chamavam de o "poder", ou o "abstrato", ou o "espírito", podia determinar quem poderia ter acesso a um conhecimento que era mantido rigorosamente secreto para a grande maioria das pessoas. Esse, aliás, era um dos encantos mais sedutores do fenômeno Castaneda. Pode-se dizer mesmo que, para muitos de seus leitores, sua credibilidade estava diretamente ligada a essa inacessibilidade. Para esses leitores, aquilo tudo era seguramente verdade porque era tão difícil, ou mesmo impossível, de ser alcançado.

Agora, isso mudou. O conhecimento secreto foi democratizado, através de seminários como realizado em São Paulo. As portas para o mistério foram abertas para todos. E esta é, aparentemente, uma mudança fundamental que parece anunciar a aurora de novos tempos, no Terceiro Milênio.

É ver para crer.
1. Escuta o canto do ser. Ele tem mais de mil vozes. Olha a dança do ser. Ela tem mais de mil passos.
2. Aprenda a viver, vivendo. Foi assim que aprendeste a respirar, a andar e a comer. Não precisas de planos, programas ou teorias. Aprenda a amar, amando.
3. Lembra que o passado não existe porque não volta mais. E que o futuro também não existe porque não chega nunca. Jamais estarás no dia de amanhã , mas sempre no de hoje - no grande, eterno, infinito hoje. Descobre que o hoje, o agora, é absolutamente efêmero e, portanto eterno.
4. Contempla o mundo como um vasto espetáculo. Não fazes parte dele simplesmente: és o próprio espetáculo e tudo o que há nele. Repara que tudo está mudando e se transformando sem cessar. Não resistas a mudança. Não tentes parar no meio da corrida. Muda sempre com todas as coisas, consciente do nexo dinâmico que há entre todas elas. Os gestos são vários e infinitos porque o gesticulador é um só - e infinito.
5. Descobre que todas as coisas se influenciam mutuamente, para a grande, absurda e maravilhosa obra da infinita. Transformação. Ama essa ilusão: é tudo o que temos para amar.
6. Não forces a mudança, não a planejes. Não podes nadar contra a corrente, só a favor dela. Mas podes nadar para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo, mais rápido ou mais devagar. Escolhe segundo os mandamentos do teu corpo. Harmoniza tuas mudanças com as mudanças de todas as coisas.
7. Ouve o mar. Olha o mar. Se ele parece se repetir aos teus sentidos desatentos, presta mais atenção. A forma de suas ondas é sempre diferente. Sua dança inventa sempre uma nova coreografia. Seu rumor cria sempre novas frases, todas diferentes: às vezes mais longas, às vezes mais curtas; às vezes mais altas, às vezes mais baixas.
Descobre que, exatamente por serem diferentes, são todas elas gestos do mar.
8. Não te entregues à preguiça, à inação, à passividade, pois assim estarás contrariando tua verdadeira natureza. Age por agir, faz por fazer, cria por criar - como o resto de todas as coisas. Permanece aberto para aprender. Aprende sempre tudo de novo para descobrires, sempre de novo, que não aprendeste nada porque já sabes tudo que há para saber, ou seja, que sempre tens tudo a aprender porque não sabes nada. Aprende por aprender, sem nada esperar do teu aprendizado. Já reparaste que toda resposta também é uma pergunta, não é? Repara, agora, que toda pergunta também é uma resposta.
9. Ouve as respostas e as perguntas do mundo. Replica umas com as outras.
10. Abandona o mal. Mas não tentes ser bom. Não te escravizes a nenhum ídolo, mesmo que te pareça bom, humano, justo, sublime ou divino. Não aspires pelo sucesso mundano. Não busques nenhum nirvana. Entrega-te, confiante, à corrente da vida. Harmoniza os teus gestos e o gesto que tu és com os demais gestos do universo - e todas as coisa que precisares virão até ti, sem que penses nelas ou as peças.


(*) "...Os dois textos acima foram escritos com o espaço de cerca de um ano separando-os. O primeiro foi feito de encomenda para o Jornal do Brasil (Caderno B) para comentar o desaparecimento de Castaneda. O segundo teve origem numa espécie de press-release para ajudar a divulgação do seminário sobre Tensegridade, em São Paulo. Não foi publicado em jornal nenhum. Eu o divulgo agora com mudanças mínimas; na verdade, só o emprego do passado em vez do futuro, em algumas frases." Retirado da lista dos rastreadores no site: http://www.intento.cjb.net/


VEJA MAIS SOBRE CASTANHEDA EM: www.nagual.com

O QUE É TENSEGRIDADE: http://www.cleargreen.com/mirrors/portuguese/tenseg/index.html

PASSES MÁGICOS: http://www.castaneda.com/mirrors/portuguese/index.html