PSICOLOGIA DO ESPÍRITO

Especialistas afirmam que os distúrbios mentais podem ser causados por traumas ocorridos em vidas anteriores

Por Moura Neto

 O homem bate palmas, bate, bate, sem trégua. Alguém se aproxima dele e pergunta por que faz aquilo. Para espantar elefantes, responde. Mas não há elefantes aqui, questiona seu interlocutor, com ar de espanto. Por isso mesmo, explica o outro.

Um caso desse tipo pode até ser cômico, beirar o non-sense, mas também parece evidente que aponta para um quadro de ansiedade crônica ou qualquer outro distúrbio mental grave. O que muita gente ainda não sabe, porém, é que cada vez mais cresce o número de especialistas que estudam a patologia do comportamento humano à luz da mediunidade e da psicologia do espírito, tema que, aliás, foi destacado no XI Congresso Espírita do Rio Grande do Norte, realizado em Natal, no Centro de Convenções, no final de agosto.

Essa tendência põe abaixo um tabu que durante muito tempo foi nutrido pela ciência tradicional: o de não investigar na alma a possível causa para os males físicos e psíquicos que grassam na Terra. Médicos e psicólogos, no entanto, já identificam na depressão, na síndrome do pânico, nas neuroses, entre outras moléstias, a ocorrência de traumas adquiridos não apenas na infância do paciente, mas em suas vidas anteriores.

“Há transtornos psíquicos que têm causa orgânica, mas boa parte dos casos é decorrente do karma da pessoa e de obsessões de espíritos”, atesta o psicólogo baiano Adenáuer Novaes, um dos participantes do congresso. Segundo ele, os traumas que ficam submersos no inconsciente representam um elo de conexão com experiências dolorosas do passado, o que pode gerar diversos tipos de fobia “como forma de tentar aliviar as culpas”. Desse ponto em diante, acredita, a pessoa fica vulnerável à obsessão dos espíritos, que é o domínio que entidades desencarnadas obtém sobre os vivos e que se apresenta com características diferentes, abrangendo desde a influência moral até a perda da faculdade mental. 

“Os espíritos obsessores plugam-se em nós pelos complexos que levamos”, explica, “e só há uma forma de nos livrarmos disso, que é pela confissão, pelo reconhecimento de nossos erros”. A questão, contudo, não é simples. Ao contrário, para se curar de um problema desse, segundo ele, o paciente às vezes deve recorrer a três tipos de tratamento: espiritual, médico e  psicológico. No primeiro caso, diz Novaes, ele recomenda seu paciente a um centro espírita para receber passes de cura e participar de reuniões públicas de esclarecimento da doutrina decodificada por Alan Kardec. O tratamento médico, informa ainda, é realizado com os recursos da psiquiatria e pode ser conduzido com a administração de medicamentos para acalmar um paciente agitado,  inclinado à depressão ou à compulsão ao suicídio, para ficar apenas em dois exemplos. No caso do tratamento psicológico, o objetivo é penetrar no inconsciente do doente, através de técnicas que podem desvendar o significado dos sonhos e os processos kármicos, o que proporcionam ao terapeuta elementos esclarecedores sobre a origem da doença. 

“O casamento da terapêutica psicológica com o tratamento espiritual atinge o espírito e o perispírito, que é nosso corpo emocional”, defende Novaes. “A esquizofrenia às vezes consiste num processo de culpa que emerge de uma vida para outra, trazendo perturbação ao psiquismo”, confirma o médico paraense Alberto Almeida. O diagnóstico, frisa Almeida, pode realmente ser complexo. “Há psicólogos atendendo casos de obsessão simples como se fosse um distúrbio mental e há dirigentes de centros espíritas atendendo pessoas com distúrbios psicológicos como se fosse obsessão”, diz.

A médica paulista Marlene Nobre, que também proferiu palestra no Congresso Espírita sobre o assunto, endossa a tese de seus colegas. A cura de doenças espirituais exige do paciente uma mudança de atitude que pode ser resumida assim, segundo sua receita: tomar passe nos centros espíritas, orar e se renovar no aspecto moral, sublimando o esforço de domar as más inclinações e exercitando a prática do bem, as boas ações. “Somos como uma estação de TV, que emite e recebe ondas de pensamentos carregados de imagem”, diz, garantindo que através da indução mental uma pessoa (ou entidade, no caso dos desencarnados) pode imprimir no outro sua corrente mental. “A interconexão entre os seres funciona como uma teia”, compara.

Para a psicóloga e médium Marilusa Vasconcelos, que mora em São Paulo, há três tipos de obsessão: simples, quando o médium percebe a interferência do espírito; a fascinação, quando o espírito paralisa o julgamento do médium; e a  possessão, quando o médium fica subjugado física e moralmente ao espírito. “Trazemos uma programação biológica que atende ao Plano Maior”, assinala, reforçando a compreensão de que nada acontece ao acaso na vida de uma pessoa, nem mesmo os problemas que abalam sua saúde. Marilusa psicografou algumas das principais obras da literatura espírita nacional, como aquelas que foram ditadas pelo espírito do inconfidente mineiro Tomás Antônio Gonzaga.  

“Sempre temos motivos para estar do jeito que estamos”, ressalta a psicóloga Neusa Faiad, que trabalha com terapia transdisciplinar holística em Brasília. Segundo ela, geralmente o que infelicita uma pessoa, independente ou não de ser acometida por uma doença, “é o que ela veio trabalhar nessa encarnação em sua personalidade”. Ser bem sucedido nessa tarefa, avalia, é uma questão de despertar para a espiritualidade. “Somos viajores do tempo e nos apegamos àquilo que não vai ficar conosco”.

O psicólogo pernambucano Spencer Júnior, que também alinhou sua prática profissional aos ensinamentos da doutrina espírita, acrescenta que o tratamento de doenças psíquicas, seja realizado no consultório ou nos centros espíritas, ou nos dois locais, não se limita apenas à observação do paciente. “Os obsessores são entidades que também necessitam de apoio psicológico”, informa. Nesse caso, cabe aos dirigentes espíritas realizar o trabalho de doutrinação que pode abrir o caminho para a recuperação desses seres.

Terapia de Vidas Passadas, um divã para o espírito

Como é possível constatar que distúrbios mentais ou de comportamento têm origem em encarnações anteriores? Os especialistas lançam mão de várias técnicas, como a hipnose, para diagnosticar esse tipo de problema. A psiquiatra Maria Theodora Guimarães, porém, prefere trabalhar com a terapia de vidas passadas (TVP), um movimento nascido nos Estados Unidos e que vem se consolidando no Brasil durante os últimos 20 anos.

No seu consultório, em São Paulo, Maria Theodora já tratou de casos surpreendentes, como o de um jovem que queria sua ajuda para deixar de ser homossexual, opção que, segundo explicou à médica, estava lhe atraindo constrangimentos insuportáveis. Através da TVP, foi possível descobrir que o paciente, em outra encarnação, viveu numa tribo indígena, não identificada, onde teria sofrido um trauma que estava se refletindo na sua vida atual.

Naquela tribo, os adolescentes do sexo masculino eram submetidos a uma espécie de iniciação antes de serem reconhecidos como guerreiros. Os caciques  esperavam que eles, em caso de guerra, estuprassem as mulheres das tribos rivais, acreditando que, com isso, estariam salvos de ataques no futuro, pois os filhos das índias que engravidassem não iriam querer matar seus próprios pais.

O paciente de Maria Theodora morreu numa dessas lutas. Quando seu espírito deixou o corpo, logo após o desencarne, pôde presenciar o sofrimento e o desespero das mulheres que estavam sendo abusadas pelos guerreiros de sua tribo. As cenas comoveram aquele ser, que prometeu, naquela ocasião, não mais tocar numa mulher.

Outro caso interessante aconteceu no consultório de Alberto Almeida, em Belém (PA), também com o auxílio da regresão. O médico conta que tratou de uma paciente que estava com problemas na relação sexual com o marido. Havia casado há oito anos, depois de uma paixão relâmpago que logo a levou para o altar. Ocorre que na noite de núpcias sofreu um bloqueio e não conseguiu copular. O problema persistiu durante quatro anos, período em que, mesmo em total abstinência sexual, o marido permaneceu fiel, carinhoso  e compreensivo diante da situação.

Nos quatro anos seguintes, segundo relatou a paciente ao seu médico, o casal passou a fazer sexo esporádico, tipo uma vez a cada três meses, o que significa dizer que saiu do jejum para uma dieta rigorosa. A situação começou a incomodar a mulher, perseguida pelo complexo de culpa, enquanto o marido continuava aceitando tudo sem reclamar, como se a relação estivesse normal, satisfatória, apesar dos pesares.

Pela TVP a paciente descobriu que na vida anterior tinha sido estuprada pelo padrasto, ainda na infância, tendo falecido aos 11 anos, de ataque cardíaco, quando estava sofrendo mais uma sessão de tortura nos braços de seu algoz, justamente o homem com o qual agora tinha se casado. Nesses casos, segundo Almeida, o “perdão” representa o “processo libertário” daquele sofrimento, do problema em si.

“O outro nos ajuda em nosso processo de crescimento”, acentua Kau Mascarenhas, consultor neurolinguístico com consultório montado em Salvador, na Bahia, onde também desenvolve seu trabalho à luz da psicologia do espírito. “É preciso extrair de cada passo uma experiência enriquecedora”, diz. “A trajetória evolutiva da alma é marcada por dificuldades”, complementa o publicitário espírita Frederico Menezes, de Recife (PE). “Vivemos num bolsão energético construído por nossas emanações interiores”.

O que fazer para se livrar dos fantasmas

 Que lição nos deixam então esses profissionais que são capazes de examinar no espírito a causa para as doenças do corpo e da mente? Que não expressar afeto pode gerar problemas sérios de comportamento; que a felicidade e infelicidade começam dentro de nós mesmos; que enxergamos fora de nós, nos outros, o que carregamos dentro da gente; que perdoar é uma questão de sabedoria; que a vida nos convida a optar entre o bem e o equívoco; que é preciso aprender a reprogramar nossa mente para o que é bom, belo e real; que vale a pena viver em qualquer circunstância da vida; que o processo de evolução é pessoal e intransferível; que as faculdades de um ser vão evoluindo na medida em que o ser evolui; que precisamos nos transformar em pessoas melhores para não adoecer espiritualmente e psiquicamente; que a mediunidade é um fator preponderante para a evolução da humanidade, inspirando os cientistas em suas grandes descobertas; que brandura e resignação são a chave da felicidade.  

Ser feliz, ensinam eles, não é viver sem problemas. É um estado de compreensão interior, que nos faz estar junto dos problemas sem deixar que os problemas estejam conosco. Vida e viva em abundância. Que assim seja!