TERAPIA  HOLÍSTICA E 

MEDICINA TRADICIONAL CHINESA

 

Por Laerte Willmann (*)

 

A abordagem holística consiste em definir os sistemas como conjuntos constituídos de inúmeros elementos (ou variáveis) inter-relacionados, cujo comportamento só pode ser concebido e influenciado pela esquema integral do sistema. A Terapia Holística é a abordagem holística aplicada à saúde.

Quando abordamos holisticamente a saúde, não nos limitamos a considerar os possíveis agentes causadores de doenças - papel que a medicina contemporânea atribui aos vírus e bactérias - mas todo o conjunto de características da vida das pessoas, como sua relação com o ambiente, suas emoções, vida profissional, alimentação, hábitos cotidianos, nível de estresse, etc. Isso não significa que a terapia holística se oponha aos procedimentos médicos quando necessários, significa apenas que ela amplia e recontextualiza a saúde, passando a localizar uma série de outros fatores cotidianos que a influenciam. Agindo assim, a Terapia Holística sugere mudanças no comportamento, hábitos cotidianos e estilo de vida que facilitam a manutenção da saúde, bem estar e qualidade de vida. Dessa forma, ela evita o agravamento de situações que de outra forma tenderiam realmente a produzir doenças e exigir cuidados médicos.

O termo 'holismo' vem do grego 'holos', que significa totalidade. Ele passou a ser empregado para contrabalançar a tendência epidêmica de nossa cultura pela separação e fragmentação. Ao considerar os problemas de forma unilateral e fragmentada, nós não apenas não conseguimos resolvê-los como também os agravamos, pois as intervenções unilaterais aumentam o desequilíbrio. Como essa tendência é amplamente disseminada em nossa cultura - sendo mesmo uma de suas principais características - inúmeras foram as estratégias corretivas surgidas ao longo do tempo através de uma série de abordagens que utilizavam noções como estrutura, sistema, totalidade, gestalt, complexidade, etc A abordagem holística é apenas mais uma designação nesse sentido.

O conceito principal de holismo é a unidade da vida. O universo é uma coisa só e nenhum de seus aspectos existe por si mesmo, isolado de seu relacionamento com todos os outros. Essa afirmação é plenamente corroborada pela física contemporânea, pois reflete o conhecimento atual que temos da própria estrutura da vida. No entanto, hábitos de pensamento da antiga ciência mecanicista do século XIX ainda sobrevivem nas estruturas sociais e educacionais de hoje, e conseqüentemente, nas mentes das pessoas, continuando a reproduzir a separatividade e a fragmentação da realidade. 

Uma infinidade de estudos corroboram a influência dos hábitos de vida, da alimentação, de emoções e mesmo das formas de pensamento na saúde. No entanto, muitos poucos costumam considerar, não um ou outro, mas todos esses fatores juntos em sua compreensão da vida. Para ser realmente capaz de lidar com o conjunto de fatores que produzem a saúde, o terapeuta holístico deve incorporá-los em sua vida, pois a primeira forma de separatividade que deve ser conquistada pelo próprio terapeuta é a separação entre o pensar e o ser.

Para a Terapia Holística, uma fonte inesgotável de inspiração são as antigas medicinas das culturas tradicionais. Entre elas, uma é especialmente valiosa para os dias de hoje, pois combina observações tradicionais com um enfoque sistêmico, que é a Medicina Tradicional Chinesa. Ainda que seja ainda pouco compreendida no Ocidente, está se tornando gradualmente mais conhecida e tende a se difundir mais amplamente, estreitando seu diálogo com as práticas terapêuticas ocidentais. Existem muitas provas práticas, no Ocidente e no Oriente, de que uma colaboração entre os dois estilos terapêuticos é possível e proveitoso. É claro que, se tratando de uma medicina milenar e extremamente ampla, não seria possível descrever aqui nem mesmo seus princípios básicos, mas existe um aspecto da medicina chinesa que é muito útil para esclarecer a concepção holística de saúde, que é a antiga hierarquia das modalidades terapêuticas.

Na China antiga, os médicos não eram chamados apenas quando apareciam problemas. A medicina lidava com a vida como um todo e seu papel era conservar a saúde. Os médicos daquela época eram contratados para manter a saúde, antes mesmo que aparecessem possíveis doenças. Seu aparecimento inclusive representava uma prova da inabilidade do médico. Para manter a saúde, eles costumavam suar diversas metodologias de forma complementar e sinérgica. Eles falavam de uma hierarquia, uma ordem de importância das modalidades terapêuticas. Essa ordem é muito interessante, pois ela apresenta uma visão em muitos aspectos inversa daquilo que nossa cultura contemporânea costuma pensar sobre o assunto, Na hierarquia que citamos, consideravam-se seis métodos principais.

O uso de remédios, uma ciência muito desenvolvida na antiga China, era apenas o sexto método em importância. Os remédios eram compostos principalmente por ervas e sua combinação era extremamente cuidadosa. A maior parte das fórmulas é usada até hoje e freqüentemente elas misturam em dosagens precisas grandes quantidades de ervas - às vezes vinte ou mais, por exemplo. Não havia nada de casual nesse método terapêutico, pois ele representava a compilação cuidadosa de todos o antigo saber de milhares de anos de tradição. No entanto, era apenas o sexto método, e as razões para isso são muito esclarecedoras: eles consideravam que quando era preciso tomar remédios era porque outras coisas, anteriores e mais importantes, haviam falhado e quando a situação se tornava realmente grave.

Em quinto lugar vinha a acupuntura, o que para nós hoje parece também surpreendente, pois costumamos confundir a acupuntura com a própria medicina chinesa, ou a considerá-la - erroneamente - como sua técnica mais eficaz. Realmente, o sistema de pontos na superfície da pele onde são inseridas as agulhas é um mapeamento milenar extremamente sofisticado de uma realidade que estamos apenas começando a compreender no Ocidente: o campo eletromagnético que permeia e circunda o corpo humano. E entretanto, para os antigos médicos chineses, ainda que fosse melhor que o uso de remédios, pois re-equilibrava diretamente a energia sem o uso de substâncias externas, era também encarada como um intervenção radical, a ser usada com parcimônia e apenas em casos graves.

Em quarto lugar vinha a massagem terapêutica. Naquela época a massagem era uma combinação de toques físicos com troca de energia. O médico usava o que hoje chamamos 'massagem' mas também empregava a transmissão de energia vital para curar. O que significava que o estado do próprio terapeuta, seu equilíbrio energético, era absolutamente essencial. O sistema de pontos e centros energéticos era o mesmo da acupuntura, no entanto, a massagem era considerado um método superior pois não usava instrumentos mas a energia do próprio curador. Como podemos ver, a maneira de pensar é bastante diferente da que estamos acostumados nos dias de hoje, no entanto, há um método nela, e esse método é muito claro se procuramos compreendê-lo em seus próprios termos.

Em terceiro lugar vinha a dietética energética. Seus princípios eram semelhantes aos dos remédios de ervas, razão pela qual se deiz ainda hoje que na China "os remédios são como as sopas e as sopas são como os remédios". Todos os alimentos eram encarados segundo seu efeito nas energias que movem o ser humano. Aliás, isso vale para todos os métodos e é inclusive o que os unifica como sistema, permitindo seu uso simultâneo e complementar. Um alimento, um toque de massagem, a inserção de uma agulha, o uso de um remédio, todos são compreendidos pela medicina tradicional a partir de seu efeito no corpo energético. Os alimentos são vistos portanto como energias. Como método terapêutico seu uso é superior ao dos métodos anteriores por envolver mais diretamente o próprio indivíduo. O médico apenas sugere o que deve ser usado e de que maneira, mas cabe ao indivíduo cuidar de si mesmo de acordo com as sugestões. Isso vai valer também para os métodos seguintes na ordem das terapias onde, cada vez mais, na medida que nos aproximamos  dos métodos considerados superiores, o papel do médico é mais o de ensinar e orientar e menos o de intervir diretamente. Na concepção da medicina tradicional chinesa, considera-se que a alimentação é capaz de curar qualquer coisa. Por essa razão, os métodos seguintes não estão mais ligados apenas à cura e sim ao desenvolvimento do potencial humano.

No segundo método estão as técnicas de respiração e movimento, conhecidas como Taoyin e Chikung. São técnicas de meditação em movimento, em que a atenção tem um papel central, pois se trabalha também com os movimentos internos das energias e não apenas com movimentos corporais. Tanto neste como no próximo método, a natureza é um componente essencial, porque não se trata somente de praticar as técnicas, mas de, através delas, estabelecer um diálogo com a natureza. Os meridianos, os canais de energia na superfície do corpo, não são apenas locais onde a energia circula num sistema fechado, o corpo; eles são os pontos de contato, a interface, entre o corpo e as energias exteriores que nos circundam o tempo todo e que têm mais influência em nós do que costuma considerar nossa ciência mecanicista.

O primeiro método é a meditação na natureza. A meditação é o método de auto-desenvolvimento mais profundo em todas as tradições. O mesmo acontecia na antiga China, com a peculiaridade de que através da meditação se aprofundava também a comunicação com a natureza e o universo. O uso terapêutico dos ambientes naturais era uma ciência muito desenvolvida na antiguidade. Sabia-se que efeitos muito diferentes podiam ser obtidos com a meditação no alto das montanhas, nos vales, na beira-mar, no interior das cavernas ou nas cachoeiras e rios fortes. Cada um desses lugares era usado com propósitos diferentes, para equilibrar energias e permitir ao praticante a comunicação com diferentes aspectos de si mesmo e do universo. Bodhidharma, fundador do Budismo Chinês, o Chan (ou Zen em Japonês), respondeu certa vez ao Imperador da China quando este lhe perguntou sobre o que era sagrado no Budismo: "Nada de sagrado, espaços abertos". Com a habitual concisão chinesa ele apontava para o fato de que o fator mais importante era a comunicação com o infinito, que ele chamou de "espaços abertos" ...

Voltando à terapia holística, nela, podemos aplicar as lições da Medicina Tradicional Chinesa sobre a ordem de importância das técnicas terapêuticas. Com a diferença de que na terapia holística que praticamos atualmente, não incluímos as práticas especificamente médicas, como a acupuntura e a indicação de remédios, pois tais práticas em nosso contexto cultural são formas de medicina, enquanto a terapia holística atual pretende ser uma prática de auto-desenvolvimento. Ela pode trabalhar em conjunto com a medicina, como prática complementar, quando se tratar de problemas de saúde, mas não substituí-la. Em outras palavras, o objetivo da terapia holística não é, como a medicina, tratar doenças, mas ela é excelente para evitar que elas aconteçam.

Nesse sentido, podemos assumir inteiramente a proposta da Medicina Tradicional Chinesa de que a saúde depende muito mais dos hábitos de vida e das disciplinas como a meditação, os exercícios com energia vital, as auto-massagens e a alimentação. Essas disciplinas acumulam poder pessoal, e esse é o fator decisivo, não apenas para a saúde, mas para o auto-governo de nossa própria vida. Se esses princípios forem observados, muito raramente acontecerão doenças.

Assim, o método da Terapia Holística é semelhante ao da Medicina Tradicional Chinesa. Quanto às técnicas específicas da tradição chinesa, podemos usar algumas delas, mas as complementamos com inúmeras outras técnicas contemporâneas surgidas no Ocidente que podem ser combinadas perfeitamente com as tradicionais. O resultado dessa combinação é um sistema de manutenção da saúde extremamente eficaz e adaptável ao nosso tempo e lugar.

 


(*) Laerte Willmann é Terapeuta Holístico; formação neo-reichiana (Bioenergética/Biosíntese) em Integração Postural e Terapia do Movimento; especialista no uso de práticas terapêuticas chinesas, já estudou com diferentes mestres tradicionais - Hu Hsin Shan (Tai-chi Chuan, Shing I, Pa Kua); Don Kulatung Jayanetti (meditação Vipassana); Joo Keating (Kempô) e Dr. Jean Marc Eysalet (Tao yin, Chi Kung e Medicina Chinesa); e é ainda instrutor de Danças certificado pelo International Network for the Dances of Universal Peace.