Pra não falar das flores
Pesquisador
propõe criar museu que resgate a participação de Natal na II Guerra Mundial e
incentive a humanidade a optar pela paz mundial
por Moura Neto
Mais de duas mil fotos e milhares de documentos, alguns com 2,5 mil páginas e outros emitidos pelo serviço secreto norte-americano, o que sinaliza para a preciosidade das peças. Não há notícia de acervo mais completo no Rio Grande do Norte sobre o último conflito mundial, ocasião em que Natal se transformou num dos principais palcos das operações dos Estados Unidos. É com esse material, coletado em cerca de 50 meses, período em que realizou muitas viagens e pesquisas custeadas pelo próprio bolso, que o sociólogo e pesquisador Leonardo Barata sonha em instalar o Museu da Aviação e da Segunda Guerra. O projeto ainda não deslanchou, segundo ele, porque não encontrou apoio nem respaldo dos órgãos oficiais competentes.
O
pesquisador conta que assumiu a missão de encampar o projeto em 1997, quando o
Governo do Estado, através da Fundação José Augusto, admitiu que não era
prioridade implantá-lo. “Há mais de meio século que esse projeto
capenga”, critica o pesquisador, lembrando que o então deputado Dioclécio
Duarte já tinha apresentando proposta nesse sentido na década de 50. “Assumi
esta causa como missão e passei a me dedicar a ela em tempo quase integral,
gastando por conta própria mais de 100 mil dólares”, revela.
O
dinheiro foi gasto em viagens pelos Estados Unidos, Europa e Rússia, onde se
infiltrou em bibliotecas e arquivos públicos e privados para garimpar tudo o
que diz respeito a aviação transatlântica e à presença das forças
norte-americanas em Natal, nas décadas de 20 a 40. Foi nesta cidade que os
Estados Unidos instalaram durante a II Guerra Mundial uma das maiores e mais
importantes bases de patrulhamento do Atlântico Sul – um trampolim que também
foi usado para enviar e receber suas tropas dos campos de batalhas travadas com
os países do Eixo – Japão, Itália e Alemanha. Além de obter todo tipo de
documento, o pesquisador comprou uma quantidade razoável de fotos e xerografou
outra, totalizando cerca de 70 quilos de documentos históricos.
Tudo
isso está armazenado na sede provisória do museu, um prédio de dois andares,
com nove salas, situado à rua Nízia Floresta, na Ribeira. “Nossa idéia, porém,
é se instalar em sede própria e ampla, com infra-estrutura adequada para
abrigar um acervo muito maior do que temos hoje e receber visitantes não só do
Brasil, mas do mundo todo”, comenta Barata, avaliando que o empreendimento
proporcionaria incalculável incremento para o turismo potiguar.
No
momento, ele analisa três alternativas para instalar o museu: convites
recebidos pela Prefeitura de Parnamirim e pelo Governo do Ceará e a
possibilidade de levar adiante o projeto por sua conta e risco. Apesar de não
querer entrar em detalhes sobre o conteúdo das propostas, adianta apenas que as
autoridades cearenses estão dispostas a investir no projeto, já que o Estado
vizinho abrigou três bases norte-americanas em seu território durante o último
conflito mundial.
“Seria lamentável se perdêssemos esse acervo para o Ceará”, comenta. “Como natalense, gostaria mesmo é que esse monumento pudesse ser erguido em Natal, para mostrar para o resto do país e para o mundo a contribuição que nossa cidade deu em favor da paz mundial ao servir de ponte para o combate ao nazifascismo”, diz. Proclamando-se pacifista, Barata ressalta que o museu, ao exibir os horrores da guerra, resgatando e organizando tudo que foi registrado sobre esse deprimente Holocausto, seria também um instrumento de propaganda da imperiosa necessidade de paz entre os povos. Nada mais apropriado para esses tempos conturbados, quando a iminência de um confronto bélico entre o Ocidente e Oriente pode deflagrar uma nova catástrofe no planeta.
Sete dias depois que os japoneses atacaram Pearl Harbor, na costa do Pacífico, provocando a entrada dos Estados Unidos no conflito, os americanos desembarcaram em Natal, primeira base de guerra a entrar em operação no Brasil e na América Latina. Era 11 de dezembro de 1942. Naquela época a cidade não passava de uma “fazenda iluminada”, no dizer do escritor Luiz da Câmara Cascudo, abrigando uma população de 40 mil habitantes.
Devido
sua localização geográfica, Natal tinha (e certamente ainda tem) importância
estratégica. Os americanos aqui sediados montaram duas bases: uma no município
de Parnamirim, nas redondezas da capital, e outra na Rampa, às margens do rio
Potengi, utilizada também pela força aérea da Marinha. A primeira tornou-se
uma “cidade operacional”, com 440 prédios, abrangendo desde alojamentos até
cafeterias, supermercado, teatro e estação de rádio, com auditório. Nesse
local foi construído um aeroporto que, pasmem!, chegou a ser o terceiro mais
movimentado do mundo, ficando atrás apenas dos de Nova York e Chicago, nos EUA.
Dessas duas bases partiram aviões que afundaram 16 submarinos inimigos (15 alemães
e um italiano) no Atlântico Sul, ao longo da costa brasileira.
Foi
nesse cenário provinciano que transcorreu o encontro histórico entre os
presidentes Franklin Delano Rooselvelt e Getúlio Vargas, amplamente divulgado
pela imprensa nacional e internacional. Era 28 de janeiro de 1943. O mandatário
norte-americano ficou hospedado no navio Humbold, segundo está registrado no diário
de guerra da tripulação do próprio navio, depois de haver se encontrado com
os colegas Wiston Churchill (da Inglaterra) e Charles de Gaulle (França) em
Casablanca, na África. No retorno, de Bathurst, na antiga Gâmbia, veio para Natal
a bordo de um Boeing 314, batizado de Dixie Clipper, num percurso que durou 11
horas e 20 minutos. A conferência do Potengi foi tratada inicialmente com
sigilo absoluto. Nem o interventor no Rio Grande do Norte, Rafael Fernandes, foi
avisado sobre a reunião.
Todos
esses episódios estão documentados e à disposição do público no embrião
do museu idealizado pelo pesquisador Leonardo Barata, que desde muito cedo se
interessou em estudar a História do Rio Grande do Norte e as proezas dos
pioneiros da navegação aérea. Farto material fotográfico, reportagens de
jornais, cópias de relatórios, fichas de prisioneiros capturados, informações
secretas dos serviços de espionagem e peças de aviões e de armamentos da época
compõem parte da mostra que está no salão de exposições do escritório
montado pelo pesquisador, com o apoio da Universidade Potiguar (UnP).
Barata
tornou-se uma autoridade no assunto, fonte constantemente requsitada pela grande
imprensa, onde seu trabalho, por sinal, já foi alvo de inúmeras reportagens.
Justa recompensa à dedicação de alguém que, como ele, mergulhou fundo em
suas pesquisas. Sozinho, sem patrocínio, ele descobriu o paradeiro e
entrevistou alguns militares norte-americanos que estiveram baseados em Natal.
Como Sam Taylor, de 83 anos, um dos aviadores que bombardeou e afundou o
submarino U-848, tipo IXD2, em 25 de novembro de 1943, a sudoeste da ilha de
Ascensão, no meio do Atlântico, na mais renhida batalha anti-submarina do Atlântico
Sul em toda a guerra.
O
pesquisador também encampou um movimento que reivindica o tombamento da Rampa,
cuja área está ameaçada de ser ocupada pelo porto e por um shopping-center.
Ele propõe que todo o complexo de 21 prédios seja tombado e declarado patrimônio
público e que as autoridades construam no local um Parque Histórico, Cultural
e Paisagístico, uma espécie de memorial em homenagem às vítimas da guerra.
Esse
memorial ajudaria na preservação do conjunto histórico-arquitetônico que,
segundo ele, “representa o maior monumento da aviação e da II Guerra em
nossa cidade, constituindo-se numa grande atração cultural e num diferencial
turístico de Natal em relação a outras capitais nordestinas.