MEDITAÇÃO SOBRE A MORTE
(Compilação
FRC Moacir Machado Neto, a partir da obra “Os Mistérios da Morte na Tradição
Tibetana”)
Este
gênero literário requer uma certa neutralidade do meditante. Ao invés de se
envolver com a forma do texto, deve preocupar-se em compreender os sentimentos
que estão sendo projetados e senti-los, pois eles representam a essência da
questão.
O corpo que possuímos no estágio pós-morte
é o mesmo corpo dos sonhos ou o corpo das emoções, chamado também de corpo
psíquico ou corpo astral, dentre outros nomes. Segundo o Dalai-Lama, o estado
mental do indivíduo é importantíssimo no momento da morte, pois ele
influencia profundamente o caráter da experiência pós-morte.
A
meditação sobre a morte é de extrema importância. Foi a primeira das quatro
verdades que Buda pregou no parque Deer, próximo a Benares. Foi também sua lição
final de vida, pois Ele morreu para mostrar a seus discípulos a realidade da
impermanência.
Se
formos perseguidos por um cachorro, de pouco nos adianta sentir medo ou apreensão.
Precisamos transformar a apreensão em ação, evitando assim de sermos
mordidos. O mesmo pode ser dito com relação ao medo da morte. Devemos utilizar
este medo como fonte de estímulo para a prática de ações meritórias.
Seremos
altamente beneficiados meditando regularmente sobre o método de simulação da
morte e sobre as três raízes, nove justificativas e três afirmações.
Precisamos
fazer uma tentativa de praticar as ações meritórias agora. As ações meritórias,
ou Dharma, são o mapa que nos indica o caminho da realização convencional e
absoluto da existência. É o alimento dos peregrinos que trilham o caminho da
vida e do conhecimento. É o guia que nos conduz no difícil caminho da iluminação.
A
prática de ações meritórias é feita em vários níveis, mas toda sua essência
está em cultivar a bondade, o amor e a compaixão. Às vezes não temos o tempo
nem forças suficientes para os estudos filosóficos ou práticas mais avançadas,
mas devemos ao menos tentar manter uma postura harmoniosa com relação aos
nossos semelhantes, uma atitude de nunca prejudica-los mas sempre auxilia-los.
Com isto estaremos nos livrando do fluxo de negatividade de nossas vidas. As
ilusões e aflições desaparecerão gradualmente; refinaremos a qualidade de
nossa vida. Assim, no momento de nossa morte, seremos capazes de manter a paz e
a serenidade, enfrentaremos o momento futuro com habilidade e competência. Esta
é a prática de transferência cósmica que poderá ser realizada por aqueles
praticantes menos disciplinados.
O
praticante mais ambicioso procurará desenvolver a renúncia, as práticas de
disciplina mais evoluídas, a concentração meditativa, a sabedoria e a postura
de um Bodhisattva (Aquele que busca a iluminação com o objetivo de beneficiar
todos os seres em geral). Depois de adquirir um bom nível de maturidade nestas
práticas, será introduzido ao oceano dos métodos tântricos (ou de controle
das energias sutis através da mente).
CONTEMPLAÇÃO
DAS 6 DESVANTAGENS E DAS 6 VANTAGENS
DESVANTAGENS
(quando não se realiza):
1)
Nunca seremos conscientes da prática do Dharma sem meditarmos sobre a
morte;
2)
Só realizamos pequenas práticas;
3)
Quando meditarmos sobre as inquietações do mundo (8), corremos o risco
de distorção (necessidade de fama, riqueza, prazer, reconhecimento; pobreza de
espírito; notoriedade; crítica e preocupação);
4)
Pouca persistência nas práticas;
5)
Contínua criação de karmas negativos: apego à matéria e distinção
não amorosa;
6)
Morremos arrependidos: somente a realização espiritual tem valor na
hora da morte. Negar a meditação sobre a morte é negar todas as outras práticas
espirituais.
“Devemos
temer a morte agora, quando ainda temos tempo para agir. Já no seu exato
momento, deveríamos ser destemidos”. Geshe Karmapa.
VANTAGENS
(Quando se realiza):
1)
A vida passa a ter um significado especial
“De
todas as pegadas
A
do elefante é a suprema
De
todas as meditações
A
da morte é a suprema”
(Sutra
de entrada de Buda no nirvana)
2)
É um poderoso antídoto contra as ilusões da mente;
3)
Deve ser feita no início de qualquer prática, pois confere maior poder
de concentração;
4)
Deve ser feita no meio da prática, pois confere maior intensidade e
pureza;
5)
Deve ser feita no final de cada prática para que esta seja perfeita;
6)
Morremos felizes, sem arrependimento algum, pois desenvolvemos a bondade
e o Dharma.
DOIS
MÉTODOS DE MEDITAÇÃO DOS SUTRAS (Compreensão de Buda como um aspecto
externo)
A)TÉCNICA
DAS 3 RAÍZES, 9 JUSTIFICATIVAS e 3 AFIRMAÇÕES:
-
......................
Iniciamos
com uma meditação sobre o vazio, natureza primordial dos fenômenos;
1)
Voltar a atenção para a 1a raiz, a realidade da morte:
Contém
3 justificativas:
-
A morte sempre existiu;
-
O tempo sempre caminha em direção à morte;
-
Nossa vida é composta de fenômenos transitórios, alguns deles relacionados
com o Dharma.
Surge
a 1a afirmação: “Pratique
o Dharma e absorva a verdadeira essência da vida”.
2)
Voltar a atenção para a 2a raiz, a indeterminação do
momento de nossa morte e de nosso tempo de vida:
Contém
3 justificativas:
-
A vida humana não tem duração determinada;
-
As fontes de vida são tenras e muitas as causas da morte;
-
Nosso corpo é frágil e sujeito à destruição.
Surge
a 2a afirmação: “Pratique o Dharma imediatamente”.
3)
Voltar a atenção para a 3a raiz: somente as realizações
espirituais terão valor na hora da morte:
Contém
3 justificativas:
-
Nem amigos nem parentes poderão nos salvar neste momento;
-
Nem a riqueza ou o poder nos serão úteis;
-
Nem mesmo nosso corpo bem nutrido terá valor algum, pois será deixado para trás
como lixo.
Surge
a 3a afirmação: Pratique o Dharma com toda a pureza, não
despenda suas energias com as coisas do mundo”.
MÉTODO
ESOTÉRICO (TÂNTRICO)
O método tântrico de meditação vai
ocupar-se da dissolução da vinte e cinco substâncias inferiores. Estas são
as cinco egrégoras psicofísicas da forma, dos sentidos, do discernimento, da
vontade e da consciência primária; são os quatro elementos terra, ar, fogo e
água; são as oito portas de entrada dos olhos, nariz, boca, ouvidos, mãos e
mente, que trabalham junto com os sentidos; são as quatro sabedorias
imperfeitas do espelho, da uniformidade, do ter, da discriminação e das quatro
ações meritórias.
São ditas imperfeitas porque dizem respeito
àquelas pessoas que ainda não manifestaram seu ser búdico (ou intuicional).
A morte, como processo natural, nada mais é
do que uma desintegração gradual. Firme seus pensamentos, fixando-os em cada
passo do experimento.
O primeiro estágio deste processo
consiste na desintegração simultânea da egrégora psicofísica da forma, da
imperfeição do espelho, do sentido da visão e de seus objetos. Acima da terra
tudo parece se desintegrar, como se uma chuva de pedras estivesse prestes a
cair. Seu corpo já não tem a força do elemento terra e você houve estrondos
de terremotos e rachaduras de montanhas.
Externamente
manifestamos a desintegração dos cinco seguintes atributos: o corpo definha e
perde vitalidade, a visão fica obscurecida, os membros ficam enfraquecidos,
temos dificuldades para piscar os olhos e perdemos a força vital do corpo.
Estes sinais são externos e podem ser observados pelas outras pessoas.
Após a desintegração destes aspectos, a pessoa em processo de morte é
acometida por uma visão. Esta visão só é percebida por ela própria.
Manifesta-se por uma miragem, uma miragem que parece preencher todo o ambiente.
O segundo estágio consiste na desintegração da egrégora psicofísica dos
sentidos, da imperfeição da uniformidade, do sentido da audição e seus
objetos. Seu corpo já não tem a força do elemento água, daí a terrível
sensação de sentir que se aforga dentro da imensidão de um oceano.
Externamente manifestamos a desintegração
dos cinco seguintes atributos: as sensações físicas perdem os parâmetros do
agradável, desagradável ou indiferente; os lábios ficam secos; cessam as
pulsações de vida e tanto nosso sangue quanto nosso sêmen coagulam; os sons
do exterior já não podem ser ouvidos, desaparecendo inclusive o zunido
característico da audição. A pessoa em processo de morte sente que todo o
espaço ao seu redor fica nublado.
O terceiro estágio consiste na desintegração da egrégora psicofísica do discernimento, da imperfeição da discriminação, do olfato e seus objetos. Já não pode mais identificar o que está sendo dito pelas outras pessoas, perde a memória com relação a seus pais, parentes e amigos. Também já não tema força do elemento fogo, que invade todos os lugares, provocando explosões e sons violentos, que entram pelos ouvidos e ecoam pelo coração.
Os cinco sinais esternos são: as batidas do coração diminuem e cessa todo o
processo de assimilação e digestão dos alimentos. A inspiração torna-se
fraca e a expiração forte. Já não consegue identificar os cheiros do
ambiente. Labaredas tênues parecem preencher todo o seu espaço.
O quarto estágio consiste na desintegração
da egrégora psicofísica da vontade, da imperfeição do ter, do sentido do
paladar e seus objetos. A energia do elemento ar sofreu um processo de reversão
e você está no meio de uma daquelas terríveis tempestades de vento que marcam
o fim das eras.
Os cinco sinais externos são: perda de todas
as habilidades físicas, de todos os objetivos de vida, de todas as energias
primárias e secundárias do corpo, que se dissolvem no coração. A língua
perde a cor e todos os órgãos dos sentidos cessam. Surge a visão de uma luz
trêmula, como a de uma lamparina.
É neste momento que os médicos dizem que a
pessoa morreu. Este não é propriamente o momento exato da morte, pois a consciência
ainda habita este corpo.
É exatamente agora, com a queda das energias
sutis do corpo, que as gotas primordiais, aquelas células paternas e maternas
de um esperma e um óvulo originais, que no momento da concepção alojam-se no
topo da cabeça e no chakra umbilical, entram em ação. Quando as energias de
sustentação do corpo deixam de existir, estas substâncias entram em
movimento.
Visualize uma artéria, reta como uma flexa,
passando pelo canal central do corpo, desde o alto da cabeça até a região do
umbigo. Uma substância branca desce do chakra do alto da cabeça até o coração,
passando por este canal central da coluna vertebral. Sua passagem pelos nós górdicos
dos chakras faz com que passemos pela experiência visionária do branco
ofuscante da neve.
Em seguida, uma chama sobe desde o umbigo e
óvulo e esperma encontram-se no coração. Neste momento experimentamos a
escuridão, como se o céu ficasse coberto de nuvens negras. Invocamos os
poderes místicos do Buda, das ações meritórias e da comunidade dos irmãos
iniciados para que as três raízes da ilusão (o apego, a aversão e a ignorância)
possam ser dominadas.
Surge, assim, na altura do coração, uma
gota de luz branca, que representa sua mente. Ela tem o tamanho de um grão de
ervilha, mas é imaterial e leve como uma pluma. A parte superior do canal
central encontra-se aberta, como uma boca. Imagine o Mestre Buda deixando o
Reino da Alegria Absoluta e imediatamente posicionando-se sobre a abertura de
sua cabeça. Façamos com a mente uma invocação:
Ó
Mestre, ser inseparável do Buda,
Uno
à essência de todos os místicos
Que
neste momento deixam o palácio divino do Reino da Alegria Absoluta
Ó
fonte de compaixão,
Rogo
que venha até o alto da cabeça do morto.
Prósto-me
diante de vós reverenciando-O
Reconheço
minhas faltas e exulto vossa bontade.
Peço-lhe
que reverta a vasta e profunda roda das ações meritórias;
Que
não nos abandone, que permaneça neste mundo.
Que
toda a minha energia seja canalizada em prol do ideal da iluminação.
Ó
filho de nobre caráter
A
morte sempre determina o final da vida
E
nunca estabelece o limite entre velhos e novos.
Compreenda
seu significado
E
preste atenção às minhas palavras.
Livre-se
da mente errante,
Mantendo-a
sempre dentro de seu coração.
Ó
filho, não se prenda a seu cadáver,
A
suas posses, bens materiais, amigos e familiares.
Qualquer
apego neste momento
Poderá
lhe conduzir ao reino dos fantasmas.
Livre-se
do apego
E
siga para o reino da alegria absoluta.
Ó
filho, o acúmulo resulta em perda,
O
construir em desintegrar,
O
encontro em separação,
O
viver em morrer.
Chegou
a sua hora,
Mas
você não é o único a passar por isto.
A
morte é o destino de todos nós.
Tenha
consciência de sua morte
Mas
não se desespere por isto.
Ó
filho, ninguém é mais privilegiado que você,
Ninguém
poderia ser mais feliz que você,
Pois
na flor de lótus no alto de tua cabeça
Senta-se
a fonte da verdade,
O
inseparável mestre do Buda da luz infinita.
Faça
suas orações e peça para que ele lhe mostre as portas
Do
caminho da transferência cósmica da consciência.
Mantenha
a atenção com todas as suas forças
E
ofereça a ele esta oração.
Ó
bem aventurado Amithaba, Buda da luz infinita,
Refúgio
perfeito,
Herói
que nos salva dos reinos mentais inferiores,
Navegador
que nos conduz ao Reino da Alegria Absoluta,
A
ti ofereço as minhas preces!
Sentado
acima de nossa cabeça, do coração dO Buda emana uma luz em espiral, descendo
pelo seu corpo até a abertura acima de nossa cabeça e daí à região do
nosso umbigo. As luzes dO Buda fundem-se com a gota branca do coração
do morto, que representa sua consciência. È a própria lei do magnetismo. Um
grande fluxo de energia contida na região do umbigo toma, desta forma, a direção
ascendente.
O mestre entoa agora pela primeira vez a
sílaba HIK e a gota no coração do morto sobe até a região da
garganta. Pela segunda vez a sílaba
HIK
é entoada e neste momento a gota vai até a região do intercílio. O mestre
entoa novamente HIK
e imediatamente a gota sobe ao alto da cabeça. O coração pulsa
levemente e a consciência deixa o corpo. Surge uma luz bem clara, semelhante ao
alvorecer de uma manhã sem lua. Esta é a clara luz da morte, o indicador do
processo final. Mentalizemo-la como uma luz-mãe e fundamo-nos a ela como filho.
Nosso cadáver agora é depósito dos carmas
negativos, pecados e ações de ignorância cometidos pelo morto. Este cadáver
espontaneamente entra em combustão e assim é queimado pelas chamas da
sabedoria.
O mestre entoa a sílaba Phat,
e a gota da consciência deixa o alto da cabeça e atinge o coração dO Buda,
fundindo-se com sua essência. E assim Amithaba, O Buda da luz infinita volta ao
Reino da Alegria Absoluta, levando consigo a consciência do morto. Este
renascerá nos reinos celestiais, dentro de uma flor de lótus. A luz do coração
de Amithaba fecundará esta flor, que se abrirá em pétalas. O morto terá a
felicidade de ver pela primeira vez o rosto do Buda Amithaba, assim como a graça
de ouvir a melodia de sua voz de néctar. Ficará em estado de meditação
profunda até conseguir alcançar a plena iluminação.
(O
mestre do ritual deverá também meditar durante algum tempo, oferecendo orações
e versos auspiciosos: CD monges tibetanos).
O mestre visualiza o herói do diamante, símbolo
dos yogas de purificação, e em sua presença faz a seguinte invocação, para
o encerramento da meditação:
* Que aquele que deixou esta vida e foi para
o outro lado do mundo possa se desvencilhar de todas as formas de beleza do
mundo captadas pela visão. Que sua visão seja dirigida aos ideais de iluminação.
* Que
possa se desvencilhar de todos os sons melodiosos captados pelo ouvido. Que sua
audição seja dirigida aos ideais da iluminação.
* Que
possa se desvencilhar de todas as fragrâncias captadas pelo olfato. Que seu
olfato seja dirigido aos ideais da iluminação
* Que
possa se desvencilhar dos paladares do mundo. Que seu paladar seja dirigido aos
ideais da iluminação.
* Que
possa se desvencilhar de toda a sensualidade do corpo. Que as ações de seu
corpo sejam dirigidas aos ideais da iluminação.
Que possa se desvencilhar dos objetos dos seus sentidos, que serão dirigidos unicamente aos ideais de iluminação. Com a sílaba PHAT, retornemos gradativamente a consciência para o nosso corpo físico, aceleremos gradualmente a respiração e efetuemos um suave sorriso para iniciciar nossa atividade muscular.
Assim Seja!