Admirável mundo nosso

Por Moura Neto

 

O maior jacaré do mundo viveu na Amazônia há milhares de anos

 

A Amazônia continua fascinando os pesquisadores não só por possuir a maior floresta tropical do planeta, onde ainda se encontra uma diversidade enorme de espécies não conhecidas pelos cientistas, mas também por abranger uma região na qual estão sempre descobrindo fósseis de vertebrados que, analisados em laboratório, representam peças importantes no quebra-cabeça de remontar o passado distante a fim de responder questões que o homem permanece formulando sobre as suas origens e a da terra em que pisa e habita.     

            Há mais de um século que os geólogos e paleontólogos registram e estudam os fósseis de vertebrados provenientes da Amazônia ocidental. Graças às proezas desses homens destemidos, muitos deles desaparecidos no meio da selva, há evidências de que o maior jacaré do mundo viveu na Amazônia numa época em que a região era tomada não por floresta, como hoje, mas por savanas (formação aberta com gramíneas, arbustos e árvores esparsas) e cerrados. No Rio Acre, entre as cidades de Rio Branco e Brasiléia (AC), foram coletados ossos de jacarés gigantes, como um crânio de Purussaurus. Fósseis de preguiça gigante e de mastodonte, animal da família dos elefantes, encontram-se em exposição no Museu do Estado de Rondônia, em Porto Velho, depois que foram achados por garimpeiros do Rio Madeira.

A maioria dos estudos tem por base material coletado durante o boom do látex, quando comerciantes da Europa e dos Estados Unidos viajavam pela Amazônia comprando borracha e vendendo seus produtos. Mais recentemente, porém, o projeto Radambrasil, usando imagens de radar de toda a Amazônia brasileira, registrou descobertas importantes. Os fósseis coletados pelos pesquisadores do projeto estão depositados no Departamento Nacional de Produção Mineral, no Rio, mas ainda não foram objeto de estudos com publicação detalhada. No entanto, já se sabe que a equipe do projeto reconheceu na Amazônia formas de relevo com características de clima seco e sem cobertura vegetal.

“A presença de vertebrados terrestres associados com restos de boto (golfinho), peixe boi, gigantescas tartarugas e diversos Crododylidade indica um ambiente temporário de savana nas margens de lagos de água doce e/ou salobra”, avalia Alceu Ranzi, um paleontólogo catarinense radicado há décadas em Rio Branco, no Acre, onde ajudou a fundar o Laboratório de Pesquisas Paleontológicas da Universidade Federal do Acre. Rancy e seus parceiros de ofício conseguiram reunir uma singular coleção de paleovertebrados da região – peixes, aves, répteis e mamíferos, com mais de três mil espécimes catalogadas, numa importante contribuição à paleobiologia da Amazônia. Desmontaram, dessa forma, a tese de que é difícil coletar fósseis em áreas florestadas por falta de exposições rochosas adequadas e ainda mais porque os organismos de maior interesse (animais terrestres, plantas e insetos) possuem potencial muito baixo de fossilização.

“O pouco conhecimento e problemas não solucionados devem nos estimular à contínua busca científica, que deverá estar aberta a novas interpretações”, diz Ranzi, que lançou no ano passado o livro Paleoecologia da Amazônia – Megafauna do Pleistoceno, publicado pela editora da Universidade Federal de Santa Catarina. Para reunir as informações contidas no livro, ele utilizou dados de outros pesquisadores e de coleções de museus, mas sobretudo empreendeu inúmeras viagens e expedições para coletas de fósseis pelos principais rios da região – Juruá, Moa, Acre, Purus, Caeté, Iaco, Beni e Madre de Dios, estes dois últimos em território boliviano.

O grupo de pesquisadores do Acre tem compartilhado informações e intercambiado projetos em conjunto com renomadas instituições, como a Universidade do Amazonas, Museu Paraense Emílio Goeldi, Museu Nacional do Rio de Janeiro, Museo de La Plata (Argentina), Los Angeles Country Museum of Natural History (Califórnia).

Pelo que já descobriram, os cientistas concluíram que as grandes mudanças no clima da terra ocorridas durante os últimos 18 mil anos alteraram a vegetação, o nível dos oceanos, o volume dos gelos nas calotas polares e no alto das montanhas e a temperatura das águas da superfície dos oceanos. Há evidências de que houve uma diminuição da temperatura média de 4,5 graus C, entre 33 mil e 26 mil anos antes do presente.

Isso contribuiu para alterar também a paisagem amazônica entre 18 mil e 13 mil anos atrás. Segundo Ranzi, análise de fragmentos de madeira e o estudo de pólen, recolhido de sedimentos de fundo de lago na Amazônia, especialmente no Estado de Rondônia, sugerem mudanças climáticas durante diversos ciclos geológicos, quando a vegetação de gramíneas recobria áreas hoje dominadas pela Floresta Amazônica.

Para cientistas como Ranzi, “o presente é certamente a chave para entender o passado, mas também pode-se dizer, com boas razões, que o passado é a chave para entender o presente”.