Bióloga desenvolve projeto ecoturístico do Seridó

por Moura Neto

        Mais de 70% dos habitantes da zona rural do Brasil vivem abaixo da linha de pobreza, segundo relatório da ONU. É uma realidade dura, deprimente. A população do semi-árido nordestino, em especial a do Seridó, está ameaçada pelo esgotamento dos solos, pelo desflorestamento e pela desertificação. São fatores que contribuem para agravar ainda mais a crise da produção de alimentos, acelerando o processo de degradação dos recursos naturais e da qualidade de vida. Diante desse quadro desolador, a bióloga Cecília Gonçalves de Medeiros, 60, decidiu criar um projeto que compatibilize o desenvolvimento agrícola-social com a recuperação da natureza daquela região.

        O Projeto Sernativo foi implantado há cinco anos numa área do sítio José Gonçalves, de sua propriedade, em Acari (220 quilômetros de Natal), Rio Grande do Norte, com o objetivo de promover uma nova relação do homem com o meio ambiente. “Propomos demonstrar, através de uma experiência de desenvolvimento sustentado em pequena escala, que é possível criar melhores condições de vida no campo”, explica a bióloga. Natural de Acari, irmã do poeta José Gonçalves, morto no acidente aéreo que vitimou o governador Dix-Sept Rosado em 1957, ela retornou à sua terra após se aposentar e iniciou esse trabalho por conta própria, assumindo todos os riscos.

        O Projeto Sernativo compreende três pontos: silvicultura, etnobotânica e preservação do meio ambiente. “Como muitas espécies da vegetação foram extintas sem que pudéssemos conhecer suas utilidades, a preocupação de conservar e catalogar o que ainda existe na flora da região é importante para que amanhã esse conhecimento esteja a serviço da humanidade”, revela.

        Uma área de 154 hectares do sítio foi reservada para a realização desse ensaio de preservação e propagação das espécies mais representativas da Caatinga, experimentação agro-industrial, cadastramento e seleção de plantas medicinais e alimentícias nativas e adaptadas. A mão-de-obra utilizada geralmente é da própria comunidade local, aproveitando-se ao máximo a experiência dos moradores da região.

        Em novembro de 1996 o então presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Eduardo de Souza Martins, fez publicar portaria em que reconhece aquela área do sítio José Gonçalves como  “reserva particular do patrimônio natural”. Isso deu mais força ao trabalho da bióloga, que desde então tem realizado alguns projetos em parceria com o Ibama.

        Mas não tem sido fácil para ela, porém, levar o projeto adiante. Principalmente pelas dificuldades de obter apoio financeiro das instituições oficiais e não-governamentais. Essas dificuldades, contudo, não a fizeram recuar. Absolutamente. Graças ao seu empenho pessoal, Cecília conseguiu há quatro anos arrendar um galpão do Dnocs, na parede do açude Gargalheiras, em Acari, onde instalou, diante de uma das paisagens mais deslumbrante do sertão, o Depósito da Natureza – uma espécie de centro de ecoturismo da reserva Sernativo, onde apresenta aos visitantes uma mostra permanente dos valores culturais da sua terra: artesanato, canteiros de ervas medicinais, remédios caseiros, etc...

        Na verdade, aquele espaço funciona como um museu do homem seridoense, apropriado inclusive para o desenvolvimento de atividades de pesquisas, educação ambiental e ecoturismo. É possível encontrar ali um pedaço do universo místico do sertanejo, suas manifestações culturais, sua arte, sua culinária. Quem conversa com Cecília, vê e sente nela uma legítima representante do povo seridoense.

 

Flora medicinal

        O Seridó está situado na parte meridional do Rio Grande do Norte. Apresenta um clima semi-árido, com precipitação pluviométrica média anual inferior a 600 mm, um período seco de sete a oito meses e temperatura média anual de 27ºC. Em certas áreas, o período seco chega a nove meses. Em tempos passados, a cultura do algodão ocupou uma área de 61 mil hectares aproximadamente. No entanto, a praga do bicudo dizimou as lavouras e a cultura algodoeira foi sendo substituída gradativamente por pastagens. 

        A região é caracterizada por vegetação baixa de cactáceas espinhentas e agarradas ao solo, arbustos espaçados com capim de permeio. Sua flora tem sido estudada por botânicos renomados como Phillipp Von Luetzelburg, que nas décadas de 20 a 40 percorreu detalhadamente a região colhendo e identificando precioso material botânico.