AS RELIGIÕES NO RIO

 

A religião? Um misterioso sentimento, misto de terror e de esperança, a simbolização lúgubre ou alegre de um poder que não temos e almejamos ter, o desconhecido avassalador, o equívoco, o medo, a perversidade.

O Rio, como todas as cidades nestes tempos de irreverência, tem em cada rua um templo e em cada homem uma crença diversa.

Ao ler os grandes diários, imagina a gente que está num pais essencialmente católico, onde alguns matemáticos são positivistas. Entretanto, a cidade pulula de religiões. Basta parar em qualquer esquina, interrogar. A diversidade dos cultos espantar-vos-á. São swendeborgeanos, pagãos literários, fisiólatras, defensores de dogmas exóticos, autores de reformas da Vida, reveladores do Futuro, amantes do Diabo, bebedores de sangue, descendentes da rainha de Sabá, judeus, cismáticos, espíritas, babalaôs de Lagos, mulheres que respeitam o oceano, todos os cultos, todas as crenças, todas as forças do Susto. Quem através da calma do semblante lhes adivinhará as tragédias da alma? Quem no seu andar tranqüilo de homens sem paixões irá descobrir os reveladores de ritos novos, os mágicos, os nevrópatas, os delirantes, os possuídos de Satanás, os mistagogos da Morte, do Mar e do Arco-Íris? Quem poderá perceber, ao conversar com estas criaturas, a luta fratricida por causa da interpretação da Bíblia, a luta que faz mil religiões à espera de Jesus, cuja reaparição está marcada para qualquer destes dias, e à espera do Anti-Cristo, que talvez ande por aí? Quem imaginará cavalheiros distintos em intimidade com as almas desencarnadas, quem desvendará a conversa com os anjos nas chombergas fétidas?

Eles vão por aí, papas, profetas, crentes e reveladores, orgulhosos cada um do seu culto, o único que é a Verdade. Falai-lhes boamente, sem a tenção de agredi-los, e eles se confessarão - por que só uma coisa é impossível ao homem: enganar o seu semelhante, na fé.

Foi o que fiz na reportagem a que a Gazeta de Notícias emprestou uma tão larga hospitalidade e um tão grande ruído; foi este o meu esforço: levantar um pouco o mistério das crenças nesta cidade

Não é um trabalho completo. Longe disso. Cada uma dessas religiões daria farta messe para um volume de revelações. Eu apenas entrevi a bondade, o mal e o bizarro dos cultos, mas tão convencido e com tal desejo de ser exato que bem pode servir de epígrafe a este livro a frase de Montaigne:

Cecy est un livre de bonne foy.

João do Rio

 

 

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