APRENDIZ DE JORNALISTA
JORNAL ON LINE LABORATÓRIO UFRN FEVEREIRO 2003


Diplomado ou não, pouco importa  

            Ser jornalista no Brasil não requer mais diploma?! Isso mesmo. A juíza Carla Abrantkoski Rister bateu o martelo no último mês do ano de 2002 e decidiu o destino do jornalismo: “Não é preciso diploma para ser jornalista no Brasil”, ou seja, não é necessário ser diplomado em jornalismo para obter o registro profissional junto ao Ministério do Trabalho. A sentença foi proferida  em ação cível pública proposta pelo Ministério Público Federal e Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo.

                A juíza centraliza sua argumentação em distintos pilares. Primeiramente, segundo ela, a profissão de jornalista não pode ser regulamentada sob o aspecto da capacidade técnica, eis que não pressupõe a existência de qualificação profissional específica, indispensável à proteção da coletividade. "O jornalista deve possuir formação cultural sólida e diversificada, o que não se adquire apenas com a freqüência a uma faculdade (muito embora seja forçoso reconhecer que aquele que o faz poderá vir a enriquecer tal formação cultural), mas sim pelo hábito da leitura e pelo próprio exercício da prática profissional", diz. Em seguida, afirma que a regulamentação trazida pelo Decreto-Lei 972/69, editado no regime militar e que exige o diploma, contraria a Constituição de 1988, que prevê a ‘livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’; em suma, “o Decreto-Lei não atende aos requisitos necessários para perpetrar restrição legítima ao exercício da profissão”, sintetiza. Mas, contrapondo-se à argumentação da juíza, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) criticou, em nota, a decisão e disse que não há como confundir o cerceamento à liberdade de expressão com o direito de o jornalista ter uma regulamentação profissional que exija qualificação.

            Finalizando a construção argumentativa, Carla Rister considera: “Tenho ainda que a estipulação do requisito de exigência de diploma, de cunho elitista, considerada a realidade social do país, vem perpetrar ofensa aos princípios constitucionais, na medida em que impõe obstáculos ao acesso de profissionais talentosos à profissão, mas que, por um revés da vida, que todos nós bem conhecemos, não pôde ter acesso a um curso de nível superior, pelo que estaria restringida à liberdade de manifestação do pensamento e da expressão intelectual”. Além disso, ela afirma que, caso a exigência do diploma prevalecesse, “o economista não poderia ser o responsável pelo editorial da área econômica, o professor de português não poderia ser o revisor ortográfico, o jurista não poderia ser o responsável pela coluna jurídica e, assim por diante, gerando distorções em prejuízo do público”.

            Entretanto, muito vem sendo discutido a respeito dessa nova realidade. Podemos notar que não há muitas manifestações e comentários a respeito da polêmica situação do jornalismo brasileiro, no Rio Grande do Norte. Entretanto, quando procuradas, as opiniões são numerosas e não muito divergentes. Para o diretor do sistema Tropical de comunicação (TV Tropical - filiada à Record e a Rádio Troppical) e professor do curso de jornalismo da Universidade Federal Do Rio Grande do Norte, Jânio Vidal, defende que um diploma de curso superior é necessário, entretanto não obrigatoriamente o de jornalismo. “Um médico, um sociólogo podem exercer a profissão de jornalistas, contudo devem passar por um curso técnico da área”, diz Jânio. Ele acrescenta ainda, como é evidente a “hipocrisia” por parte de meios de comunicação, como a Folha de SP, que colocam-se a favor da lei e ao mesmo tempo continuam a exigir o diploma de seus contratados. O diretor considera muito difícil detectar o talento em pessoas sem nenhum tipo de formação na área, e quando questionado a respeito da escolha de seus funcionários, sua afirmação é categórica: “Não contrataria jornalista sem diploma”.

Contudo, situado entre os dois lados da moeda, está o político renomado, Aluízio Alves. O fundador do Sistema Cabugi de Comunicação (do qual fazem parte a TV e Rádio Cabugi - ambas filiais da Rede Globo - e o jornal Tribuna do Norte), como também, criador do curso de jornalismo do estado, hoje pertencente a UFRN; concedeu a seguinte opinião:

            “Minha opinião é um pouco suspeita porque eu não fiz curso de jornalismo. Eu fui jornalista a vida inteira sem nenhum curso, mas,  na realidade reconheço que o curso de jornalismo é muito importante para o jovem hoje, para o tipo de jornalismo que se faz hoje, para apresentação das notícias e etc. Entretanto nunca fui também favorável a que se exigisse de uma pessoa o curso só porque era exigência da lei. Muitas vezes a vocação é tão ou mais importante do que a exigência de um diploma. Você pode ser um bom jornalista por vocação, e amanhã, tendo o curso, não ser um bom jornalista porque sua vocação pode ser para engenharia, medicina ou qualquer outra coisa, e não para jornalismo. Agora, quem tiver vocação para jornalismo e puder fazer o curso, evidentemente que leva algumas vantagens: os jornais, certamente, entre o candidato à emprego quem tem curso e outro que não, vão preferir os que têm curso, a não ser que o que tenha curso não apresente capacidade ou competência para ser um bom jornalista, e outro que tenha capacidade ou competência, tendo ou não o curso, que apresente essas qualidades. No entanto, eu acho o seguinte: não deve ser exigido o curso. Só entra fazendo o curso, não! Entra fazendo o curso, tendo vocação e fazendo o teste para ver se tem capacidade.” Conclui o ex-ministro.

  No entanto, Marco Aurélio de Sá, dono do Jornal de Hoje e professor de comunicação social da UFRN, considera o diploma importante, mas não o coloca em condição indispensável à profissão. Em referência às contratações, ele se mostra um tanto flexível, “particularmente, no caso de completíssima capacidade, contrataria jornalistas não formados, mas isso raramente acontece!”, finaliza.

Segundo o jornalista (formado), professor de jornalismo da UFRN, Ricardo Rosado, o fim da obrigatoriedade do diploma é uma “luta antiga das empresas de São Paulo”. Ele é totalmente favorável a manutenção do diploma, não só pela técnica, mas também pela área humanista! De acordo com Ricardo, é necessário que as entidades responsáveis (FENAJ, o sindicato, as Federações, os profissionais e principalmente os estudantes) se mobilizem, de preferência com lob junto à política (envolvendo os deputados e senadores), para pôr abaixo a liminar da juíza. E para completar afirma: “Eu não contrataria profissionais sem diploma”. Divergindo um pouco dessas opiniões, Alex Medeiros, jornalista do Jornal de Hoje, coloca-se favorável à juíza, no caso do talento se tornar, essencialmente, superior à questão do diploma. “Não sou contra que os grande talentos trabalhem na imprensa”, afirma. Todavia, os argumentos mais desfavoráveis à juiza, vêm do professor e coordenador do curso de jornalismo da UFRN, Newton Avelino. Ele considera a lei “absurda, discriminatória e injusta”, conforme o coordenador, essa decisão desregulamenta a profissão de jornalista e, conseqüentemente, traz desvalorização aos seus profissionais. Além disso, Newton ressaltou um aspecto bastante notável na sociedade jornalística local: a omissão por parte das entidades e dos atuais e/ou futuros jornalistas do estado. “Não tem havido reação alguma! As mobilizações, tão característico dos jornalistas, se encontram inexistentes”, reclama.

           No âmbito nacional, as opiniões dos profissionais da área e envolvidos divergem bastante, já os estudantes do curso, em sua maioria, condenam essa decisão. Nota-se neste caso, uma imensa polêmica em torno desse decreto. "Sou a favor da exigência do diploma, pois é a única maneira de as empresas de comunicação não serem as únicas a decidirem quem é apto a ser jornalista. A sociedade tem seus próprios mecanismos de decisão, e o diploma é um deles", disse Laurindo Leal Filho, professor da USP. Já Márion Strecker, diretora de conteúdo do UOL, diz ser contra a obrigatoriedade do diploma, mas a favor de que os interessados em exercer a profissão façam a faculdade. E assim como a representante da UOL, o repórter Kennedy Alencar também acha útil a faculdade de jornalismo, mesmo ressaltando que o curso não tem muita conexão com a realidade das redações e sendo contra a exigência do diploma. "Sou a favor do curso, não pela formação proporcionada na área, mas pela atmosfera universitária e pelo amadurecimento que ele proporciona", disse.
            De acordo com Luís Otávio Alvarenga, professor de jornalismo da faculdade Gama Filho, “O fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista — caso a sentença da juíza Carla Abrantkoski, de São Paulo, venha a triunfar — não deverá ter nenhum efeito prático importante. O argumento de que ‘o diploma é elitista, na medida que impõe obstáculos ao acesso de profissionais talentosos à profissão’, é patético! O que fazer então com os que têm talento para ser médicos, engenheiros, arquitetos e juízes que, igualmente, não podem cursar uma faculdade? Portanto, a intenção de acabar com a necessidade do diploma soa simplista e enganosa.” Critica o professor. Já Lourival José dos Santos, diretor jurídico do Grupo Abril e da ANER (Associação Nacional dos Editores de Revistas), aplaude e reverencia a tese da juíza, colocando-se contra a necessidade de diploma para a prática do ofício de jornalista, sob o “inteligente” argumento de que a profissão não reclama qualificações profissionais específicas, que possam constituir-se em base estrutural indispensável ao exercício da função, sem expor a sociedade a riscos; “o jornalismo escora-se no dom do espírito” justifica o advogado. Ruy Mesquita, diretor responsável pelo jornal O Estado de S.Paulo, duvida que vá permanecer a decisão da Justiça Federal de desobrigar o jornalista a ter diploma universitário para exercer profissão.

Segundo um radialista da Rede Globo, Sérgio Capozzielli, a universidade faz diferença sim! Ele trabalha a mais de quatro anos na emissora e se encontrou na necessidade de cursar uma faculdade de jornalismo para exercer a profissão de repórter; “não me sinto mal nem indignado, estarei muito melhor preparado para essa tarefa de imensa responsabilidade estando em um curso de nível superior, do que o ofício somente na prática” desabafa.

            O jornalista (não formado) Boris Casoy, conhecido por sua franqueza, concorda em “gênero, número e grau” com a juíza da Vara Federal. Ele diz que a essência do profissional é formada pelo talento e competência. “A regra das faculdades é  'vomitar' jovens quase analfabetos no mercado. Sou contra a regulamentação de qualquer profissão de caráter intelectual. A regulamentação é uma reserva de mercado em termos do que se deseja ao país” afirmou o apresentador da emissora Record. “A lei que condiciona o exercício da profissão ao diploma é um ‘atentado à cultura’”, completou. De forma mais branda, o diretor do jornal Debate (do interior de São Paulo), Sérgio Fleury Moraes, também defende a decisão de Carla Rister: “A questão vocacional no jornalismo é fortíssima e muitos talentos natos jamais terão a oportunidade de freqüentar bancos universitários. O diploma não siginifica a salvaguarda dos jovens. No mercado, vale o talento – e principalmente a conduta ética”,   explana o jornalista não diplomado.

                A presidente da FENAJ, Beth Costa, informou que a Justiça prorrogou o prazo para a entidade e para sindicato dos jornalistas apresentarem o agravo de instrumento, recurso que pode derrubar a liminar. ‘Devemos ter pelo menos mais vinte dias para apresentar o recurso.’ Beth criticou duramente a medida judicial. Para ela, a liminar coloca em risco não só a profissão de jornalista, mas de todos os profissionais da área de humanas. ‘Seguindo o raciocínio da liminar, um historiador não precisaria cursar História.’ Ela sustentou, ainda, que a exigência de um diploma específico para o jornalista não fere a liberdade de expressão. Dessa forma, "A Justiça Federal de São Paulo concedeu há pouco a devolução de prazo (extensão de prazo para recurso) à Fenaj e ao Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, ao reconhecê-los como parte interessada no processo que questiona a exigência de diploma de graduação em Jornalismo, para a concessão do registro profissional. Ao contrário da FENAJ e do sindicato, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) tem avaliação condizente com a decisão da juíza Carla Rister. O presidente da entidade, Francisco de Mesquita Neto, disse ontem esperar que a liminar seja confirmada. “Não somos contrários ao curso de Jornalismo, mas achamos que a obrigatoriedade do diploma limita de forma considerável a contratação de profissionais de outras áreas, que poderiam ser ótimos jornalistas”, concluiu a ANJ.

            Como dito no início da matéria, a juíza Carla Rister vem causando muita polêmica em torno de sua decisão. E sem dúvida, os mais insatisfeitos com essa lei são os estudantes. Os alunos do curso de jornalismo são, na sua maioria, contra à dispensa do diploma. Como podemos notar em algumas opiniões expostas abaixo:  “Com a obrigatoriedade do diploma, nós, futuros jornalistas, teríamos nosso espaço garantido no mercado”  (Patrícia de Paula, estudante de jornalismo da UFRN). “A imprensa é um veículo poderoso que pode tanto levantar quanto destruir carreiras. Uma informação não verdadeira pode trazer sérios problemas à vida de um cidadão caso seja publicada. Pessoas não preparadas poderiam ignorar a ética jornalística e seguir exemplos de pseudo-jornalistas, como Ratinho e João Kleber. Será que é isso que a meritíssima juíza deseja para o futuro da comunicação brasileira: a multiplicação de jornais sensacionalistas que publicam qualquer coisa só para ganhar dinheiro e fama rapidamente?” (Wilame Lima Silva, estudante de jornalismo da Universidade Federal de Sergipe). “O diploma é mais que necessário! Apesar de conhecer muitas pessoas boas e sem diploma, acho que as empresas de comunicação não devem contratar qualquer pessoa.” (Fernanda Sobreira, estudante de jornalismo da UFRN).

  “O jornalismo é uma profissão intelectual, portanto, não podemos descartar bons profissionais apenas pelo fato de não terem diploma. Isso é errado! Sou a favor que os bons jornalistas (não diplomados) sejam aproveitados, tanto quanto, um que tenha o diploma em mãos.” (Érika Ramalho, estudante de jornalismo na Universidade Potiguar). “Sou contra a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo. Apesar dos melhores profissionais, em sua maioria, serem formados. Acho que cabe ao mercado selecionar os melhores, com diploma ou não. (Thiago Barbosa, estudante de jornalismo da UFRN).

          A carta da estudante Carollini Assis destinada à juíza Carla Rister, representa, praticamente, o pensamento da maioria dos estudantes brasileiros a cerca da liminar que poderá encerrar o sonhos de muitos futuros jornalistas (com diploma).


Carta aberta à juíza

Sou estudante de Jornalismo, há quatro anos estou na universidade. Durante esse tempo passei por muitas dificuldades. Encontrei poucos livros na biblioteca, dividi 10 computadores com mais de 30 colegas, saí de minha cidade natal para estudar fora (o que onerou custos), encontrei professores mais preocupados em fazer política do que em dar aulas. De longe assisti às lutas do Diretório Central dos Estudantes (DCE) para modernizar equipamentos, exigir contratação de professores, ampliação de acervo bibliográfico, entre outras reivindicações. Dra. Carla Rister, parabenizo-a unicamente pelo fato de, ao ter tomado a decisão de anular a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, ter paradoxalmente reconhecido que o ensino nas faculdades vai mal. Mas saiba a senhora que só por isso. Pois foi na faculdade que conheci Marques de Melo, Muniz Sodré, Nilson Lage, que fui apresentada a Alberto Dines. Que aprendi as diferenças entre o jornalismo americano e o brasileiro. Foi na faculdade que aprendi teoria e visualizei a prática, é por causa dela que hoje sei discernir politicagem e política no trato com a informação, que discuto ética na profissão. Abismada estou com a distância entre a Justiça brasileira e a promoção do desenvolvimento educacional no meu país. Até hoje nunca ouvi dizer que educação e sabedoria em excesso tenham feito mal a alguém. Mas é esse o nosso sistema. Posso desenhar mal e ser cartunista... Posso escrever mal e irresponsavelmente e ser jornalista... Mas não o comprima, não rebaixe a zero, não queime diplomas como se fosse tão fácil quanto comprar bananas na feira. Porque educação de qualidade é o que os países do Primeiro Mundo oferecem a seus cidadãos. Se lá não se exige diploma é porque, e aí já é uma questão cultural, social, econômica, lá todos podem ter acesso à educação. Desde o início sabem disso.

Carollini Assis, 7º semestre do Curso de Comunicação Social/ Jornalismo na Uesb, Vitória da Conquista.


A opinião do grupo:

Diploma frustrado

            A juíza Carla Rister quer acabar com a obrigatoriedade do diploma de jornalista, ou seja, qualquer pessoa mesmo que não seja graduada, teria o direito de obter o registro de jornalista e passaria a escrever em revistas, jornais e redações. Será justo?

            A partir do momento em que qualquer pessoa não preparada possa exercer a profissão de jornalista, a qualidade da informação, sem dúvida, cai drasticamente. Uma pessoa graduada em comunicação social, especificamente em jornalismo, tem em seu currículo disciplinas como ética, que impedem o jornalista, por exemplo, de divulgar informações sem antes apurar a veracidade das mesmas. Outras disciplinas, como redação jornalística, ajudam o futuro profissional a adequar o texto à diferentes públicos e, assim, facilitar a leitura.

            Não descartamos a vocação, há alguns casos em que, realmente, a vocação é algo fantástico, mas, se esse profissional fizer o curso, se tornará ainda mais capacitado e preparado para enfrentar a concorrência absurda do mercado. Sendo este, absorvente dos profissionais mais completos: que detenham o talento nato e a técnica necessária.           

            Esperamos que até o fim do nosso curso, nosso diploma volte a ter sua devida importância, assim como nós, profissionais (Formados). Será possível meritíssima?

 Senão, nosso diploma vai seguir um duvidoso caminho, o da frustração.

 


Amanda Karoline, Ana Carolina Alves, Dinnafay Sales, Giovanna Oliveira, Kaline Suse, Lívia Farias, Juliana Magno e Sara Albuquerque.