APRENDIZ DE JORNALISTA
JORNAL ON LINE LABORATÓRIO UFRN FEVEREIRO 2003


 ESTRANHOS NO NINHO

A REALIDADE DOS ALUNOS ESTRANGEIROS NA UFRN

 

 “Depois de um tempo, você acaba se tornando um

 estrangeiro aqui e no seu próprio país”. Geraldo Franco

 

             Quem nunca pensou em estudar fora do país? Aprender novas culturas, conhecer novas pessoas com padrões culturais diferentes dos seus, compartilhar rotinas diversas e experimentar as diferenças.

            Pois muita gente não sabe que tem acesso a todas essas experiências dentro de sua própria cidade.

            A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por exemplo, recebe por ano, cerca de 60 novos intercambistas oriundos dos mais diversos países da América Latina e da África.

            A maioria dos alunos estrangeiros da UFRN, chegaram por aqui através do PEC – Programa de Estudantes de Convênio – que consiste em um sistema de convênio do qual o Brasil participa dando direito à de paises em desenvolvimento, com mais carência do que nós, o acesso a instituições de ensino superior gratuito. O programa, no entanto, não envia estudantes brasileiros para esses países isso porquê, em tese, o ensino superior no Brasil tem melhores condições do que lá.

            O método de seleção do programa varia conforme o país, e é determinado pelo governo do país de origem, porém, todos eles têm um ponto em comum: o questionário sócio-econômico; que funciona como maneira de avaliar as reais condições financeiras do estudante para que se mantenha no exterior.

            Acoplado ao questionário, alguns estudantes realizam, ainda, uma prova de conhecimentos gerais e de língua portuguesa. Todavia alguns paises ainda adotam o “antigo” sistema de indicações ou parentesco, pelo qual filhos e amigos de pessoas influentes no país tem prioridade na disputa pela vaga.

            O governo brasileiro faz uma pesquisa de quantas vagas existem em cada curso e em cada cidade, ele dispõe essas informações e os paises conveniados enviam o nome dos estudantes aprovados para as vagas, que serão distribuídos pelas regiões brasileiras aleatoriamente.

            Ao chegarem no país, alguns percebem imediatamente as dificuldades que outros só assimilarão com um tempo de convivência. Lucas, um guineense de 23 anos, teve uma chegada conturbada: quando chegou em Natal, o contato que ficou responsável por busca-lo, estava viajando e não pôde comparecer. Sozinho, com 17 anos e muitas malas nas mãos, só conseguiu sair do aeroporto depois de horas de espera e várias ligações. Como vários outros intercambistas Lucas foi salvo por compatriotas que estavam instalados por aqui. É assim que tudo começa, até que um dia eles consigam um lugar para morar, geralmente junto com colegas que se encontram na mesma situação.

            Um outro grande obstáculo enfrentado pelos intercambistas é a própria legislação à qual estão submetidos ao ingressarem no programa PEC. A começar pelo visto, que dura somente o tempo do curso e tem que ser renovado anualmente,  mediante  pagamento,  podendo ocorrer atrasos,  em alguns casos, por parte da polícia federal. Estes implicam em acréscimos de taxas de juros sobre este pagamento. Não poder reprovar mais de duas vezes é outra grande dificuldade, já que, ao chegarem alguns enfrentam problemas com a língua, além de intempéries físicas e psicológicas na adaptação à sua nova realidade.

          Um outro obstáculo legal que encontram é não poderem mudar de curso. Como nem sempre existem vagas disponíveis para o curso de sua preferência, alguns dos estudantes vêm para estudar disciplinas que não são sua primeira opção. Dessa forma, acabam optando por se graduarem em algo que nem sempre lhes agrada.

            Polêmicos são os casamentos realizados irresponsavelmente entre os intercambistas e brasileiros. Relações prematuras são oficializadas entre os estudantes pelo simples desejo de permanecerem no país após o término de seus vistos. “Assim que me formar quero voltar ao meu país para fazer valer a pena o dinheiro que investiram em mim”.  Diz Júlio,  que cursa o terceiro semestre de engenharia química, um dos poucos a mencionar a volta ao seu país de origem.

       No entanto, a principal barreira burocrática enfrentada por eles é a impossibilidade de exercer qualquer tipo de atividade remunerada com carteira assinada. Isso porque o visto do tipo quatro, que é o que eles recebem, só permite que os estrangeiros estudem no Brasil a dificuldade se dá então no momento em que estão impossibilitados de trabalhar, pois não podem complementar sua renda para custear gastos adicionais – doenças, material extra e até diversão. O que poderia ser uma medida que estimulasse o aprendizado, faz com que muitos deles não encontrem ânimo para estudarem, uma vez que as preocupações com os problemas financeiros afetam seu rendimento no estudo. “Os problemas com o dinheiro não me deixavam estudar”, diz Júlio, que chegou a repetir uma matéria.

            Apesar de terem que provar que têm como se sustentar no decorrer do curso, muitas adversidades ocorrem. Um caso freqüente é a demora que o dinheiro pode levar para chegar até os bancos locais. O sistema de transferência é chamado de “giro”. “Uma vez me mandaram dinheiro e ele não chegou. Fiquei dois dias inteiros sem comer“, declarou Geraldo Franco, 27 anos, formado em jornalismo e atualmente residindo no Brasil com a esposa e a filha.

            Quanto à adaptação, os maiores problemas são: a língua, que apesar de ser a mesma no caso dos países africanos, ainda assim, apresentam diferenças em termos e expressões, e também no sotaque. Saudades dos familiares e amigos deixados para trás, bem como os costumes e tradições que tiveram que ser radicalmente modificados. Até mesmos os hábitos alimentares brasileiros são estranhos para eles, o arroz e o feijão são uma grande novidade.

            As condições à que eles estão expostos fazem com que eles tenham medo ou mesmo, suportem melhor a doença, já que essa pode vir a ser mais uma dificuldade. Comentando o assunto, Geraldo disse: “você não pode ficar doente, pois não tem quem cuide de você”.

            Para piorar, os alunos ainda têm que enfrentar o preconceito que parte de algumas pessoas, inclusive colegas, que “achavam que não sabíamos nem ler, quando pegamos os primeiros lugares, passaram a gostar bem menos de nós”, é o que diz Leônidas Francisco, peruano de 21 anos, estudante de economia, que se sentia excluído e hostilizado pelos colegas de classe.

            O mais incrível é a total falta de um apoio organizado por parte da faculdade para com os alunos estrangeiros. No momento em que eles ingressam na Universidade, passam a ter todos os direitos e deveres de qualquer estudante. Por exemplo, o pronto atendimento em qualquer hospital e clínica universitária ou a utilização de qualquer aparato (retro-projetores, livros, computadores) mediante uma licitação, dentre outros. Porém, acabam-se aí seus privilégios, o fato de eles estarem a quilômetros de casa, da família, chegando a passar necessidades financeiras é totalmente ignorado, a não ser pela “regalia” de uma ligação mensal com duração de três minutos para a família.

            Existe um órgão veiculado à reitoria, chamado Assessoria Internacional, que oficialmente apenas cuida das necessidades legais dos estudantes conveniados. Porém, conhecendo a realidade desses jovens, alguns funcionários da Assessoria prestam apoio de livre e espontânea “bondade”. A chefe do órgão, Dona Edy Batista Xavier é a responsável por todo o acompanhamento e orientação dados aos estrangeiros em todos os aspectos, buscando sanar seus problemas. Através de D. Edy, os estudantes conseguem auxílio da própria UFRN (como refeição e xerox), de igrejas (como auxílio moradia) e de outros funcionários da faculdade, como professores e coordenadores (roupas, cestas básicas e orientação pessoal).

            É imprescindível que se desenvolva um órgão interno na faculdade, que cuide da situação especial em que esses jovens estudantes se encontram. É mais do que necessário que haja uma espécie de plano conjunto entre universidades federais e o ministério das relações exteriores para revisar os termos do programa PEC. Mais que isso, é importante que os próprios alunos se conscientizem da situação de seus colegas estrangeiros e se sensibilizem com as difíceis situações que vivem por aqui, e gritem, reivindiquem e lutem pela modificação do sistema atual.

            A verdade é que nem tudo é tristeza nessa vasta experiência. Os intercambistas são, em sua grande maioria, pessoas altamente espirituosas, bondosas e que se sentem enormemente felizes em ajudar a quem os procura. Coisa difícil é vê-los reclamarem das suas condições de vida por aqui e retribuem muito bem a qualquer sorriso que lhes seja lançado. Um ótimo exemplo de pessoas assim é a guineense, Djamilla, aluna de jornalismo que é simplesmente adorada por seus colegas de curso.

            Para se divertir, costumam fazer festas típicas, com danças, músicas e peças teatrais onde mostram um pouco da belíssima cultura de seus países. De fato, são muito unidos, isso porque o convívio com seus compatriotas os faz sentir mais próximos de seus países, por hora, tão distantes. A união pode ser também uma fuga da cruel realidade que enfrentam no seu dia-a-dia, pois o relacionamento entre eles mesmos evita, por vezes, a rejeição.

            Programas como o de famílias voluntárias, onde os estrangeiros seriam acolhidos pelas famílias dos próprios alunos da UFRN. Esses são fios de esperança aos quais estes jovens se atêm, no desejo de que sua alegria de viver e seu espírito festivo possam fazer mais sentido em suas vidas.


PAUTA: César Melo, Emili Rossetti, Fernanda Sobreira; ENTREVISTAS: César Melo, Emili Rossetti, Fernanda Sobreira; EDIÇÃO: César Melo, Emili Rossetti, Fernanda Sobreira, Marina Ramalho, Isabelle Bandeira, Lidiane Lins, Patrícia Cordeiro e Sílvia Dantas.