DECOM 2000


PONTOS DE UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA E REFORMA CURRICULAR

As novas Diretrizes Curriculares para área de Comunicação Social e suas Habilitações recentemente aprovadas pelo MEC trazem grandes avanços para os que lutam para democratização da mídia e da sociedade. Destaco dois pontos: o estágio e o projeto pedagógico dos cursos. O próximo passo é a discussão de um modelo de projeto pedagógico para graduação, extensão e pesquisa em Comunicação Social nos moldes das novas diretrizes curriculares. Um projeto em que os objetivos de pesquisa sejam pela reunificação da teoria com a prática; um projeto em que os objetivos de extensão sejam discutidos com a Sociedade Civil (e o estágio não seja um subemprego); um projeto em que os objetivos de ensino sejam mais éticos, mas técnicos, mais estéticos e sejam voltados para formação de profissionais autônomos, pequenos empreendedores e não de meros empregados de grandes empresas.

Nesse espírito, levantamos alguns pontos para discussão de um modelo geral de projeto pedagógico, sempre entendendo que cada local deve buscar uma organização institucional e curricular dentro do quadro de suas necessidades e possibilidades específicas.

A reforma de 1968, que ficou conhecida pelo nome do convênio que lhe deu origem, o MEC/USAID, terminou com o regime serial e independente das faculdades (o modelo francês) e entronizou o sistema de créditos individuais e um modelo administrativo que separava a Coordenação dos Cursos das Chefias dos Departamentos. Este modelo, típico das universidades privadas norte-americanas voltadas para a especialização profissional, imposto autoritariamente à universidade pública nunca funcionou e levou a uma compartimentalização do conhecimento científico, principalmente na área de humanas. E assim a tão propalada "indissociabilidade da pesquisa com ensino" e a adequação da universidade às necessidades econômicas da sociedade, que os militares tentaram promover, nunca saíram do papel para realidade. Pelo contrário, houve uma dupla dissociação: não há pesquisa na graduação (que se voltou exclusivamente para formação profissional) nem extensão na pós (gerando uma teorização pouco interativa frente à sociedade).
 
----> Pesquisa e pós-graduação ---->

UNIVERSIDADE ------------------SOCIEDADE

<---- Extensão e graduação <----

O modelo institucional de universidade do MEC/USAID é uma via de mão dupla. Por um lado, a universidade deve atender às necessidades da sociedade através da extensão e dos cursos de graduação, mas por outro, deve também, no sentido inverso, inventar tecnologia que desafie os padrões sociais estabelecidos, aperfeiçoando outras instituições. Porém, esse relacionamento da universidade com a sociedade, interpenetrando-a em sentidos opostos, dissocia institucionalmente a pesquisa da graduação e a extensão dos cursos de especialização, mestrado e doutorado. Assim, além da separação burocrática entre ensino (organizado pelas Coordenações de Curso e Colegiados) e as atividades administrativas, de pesquisa e de extensão (gerenciadas pelas Chefias de Departamento), temos também, em grande parte do ensino superior, uma segunda dissociação entre pesquisa e extensão em comissões internas que não se intercomunicam.

Hoje, há um consenso sobre a necessidade de mudanças institucionais na universidade pública brasileira, nessa quádrupla dissociação administrativa entre ensino, extensão e pesquisa; mas a superação desses obstáculos ainda esbarra no assembleísmo dos conselho e das interferências provincianas ou corporativistas, não permitindo o livre exercício da crítica e o pluralismo das idéias necessários a renovação da vida acadêmica. E essa dissociação se torna particularmente crônica e visível tanto no que diz respeito à atualização tecnológica exigida pela informatização da sociedade quanto à verdadeira unidade do ensino com a pesquisa como prática pedagógica e à adoção da metodologia construtivista no ensino superior. A pesquisa, hoje, com raras exceções, começa quando o curso de graduação termina. Na graduação de Comunicação Social, com a substituição (na época, adequada) das monografias de pesquisa no final do curso por projetos experimentais, esta distância entre investigação e aprendizado aumentou ainda mais.

A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior - ABMES, entidade que congrega a maioria das universidades privadas brasileiras, realizou, em 97, o Seminário Contribuições à Definição de uma Nova Política de Ensino Superior, com o objetivo de aproximar ensino e pesquisa. Vejamos algumas:

#Reorganizar os currículos de seus cursos, rompendo com a concepção conteudista e imprimindo-lhes a dimensão complexa do trabalho intelectual, enquanto instrumentos flexíveis de constante aprendizagem fundamentada na investigação e na descoberta.

#Tornar os currículos mais flexíveis de modo que o aluno possa compor o seu programa estudos de acordo com seus interesses, buscando um ensino personalizado e satisfazendo, naturalmente, as exigências do currículo mínimo. A implementação desta proposta facilitaria a interdisciplinariedade e a transdisciplinariedade e daria oportunidade para a obtenção de mais de uma habilitação, oferecendo ao graduado a possibilidade de seguir outras direções num futuro imprevisível. Esta flexibilização para ter êxito requer um compromisso dos professores no sentido de orientar os alunos nas suas escolhas acadêmicas.

#Buscar forte interação entre os diversos departamentos (ou outra forma de organização) da instituição tornando-os menos compartimentalizados. Alguns dos temas atuais de estudo, como por exemplo globalização, integração regional, ecologia, engenharia ambiental, automação, biotecnologia, biofísica, marginalidade social e outros, pela sua própria característica promovem, no âmbito da pesquisa, uma visão interdisciplinar, integrando departamentos, núcleos de pesquisa e institutos especializados.

#Introduzir o aluno, desde o início do seu curso, no estudo de temas específicos de sua área através da participação em projetos de pesquisa. Umas das formas de implementação desta idéia é oferecer disciplinas nos primeiros períodos onde os alunos, organizados em grupos, estudem determinados problemas e apresentem alternativas de solução. O exercício do trabalho em equipe, prática esta muito pouco utilizada nos atuais cursos de graduação, possibilita o desenvolvimento de habilidades básicas e a obtenção de sucesso nos ambientes futuros de trabalho que são altamente competitivos.

#Introduzir nos currículos disciplinas obrigatórias, fora da grande área de estudo do aluno, sobretudo aquelas das áreas das humanidades, no sentido de oferecer uma formação integral que permita ao mesmo exercer plenamente sua cidadania.

#Ampliar os esforços no sentido de envolver os pesquisadores com os alunos dos cursos de graduação, por meio da participação destes nos seus grupos de pesquisa e nos programas de iniciação cientifica, possibilitando a desejável integração entre a graduação e a pós-graduação. Além disso, esta articulação será fundamental para a reformulação de cursos e currículos, para a preparação de material didático e de laboratório e para a introdução de técnicas pedagógicas e instrumentais de ensino.

#Tornar a produção do conhecimento um processo de prazer, rompendo com a burocracia acadêmica e transformando a sala de aula num espaço de criação, espaço de arte e espaço de permanente interação com a sociedade.

#Criar ambientes favoráveis à pesquisa em áreas de interesse do projeto institucional, especialmente, aquelas de maior interdisciplinariedade. A estratégia não é imitar as grandes pesquisas das grandes universidades, mas fazer algo diferente, consistente e compatível com a história de cada instituição.

'Ensinar investigando, investigar ensinando e ensinar a investigar: o professor que não investiga não tem condições de acompanhar os progressos de sua área'. É preciso incorporar a noção de ‘pesquisa construtivista’ à nossa realidade de ensino através de cursos de atualização em metodologia didática e reciclagem técnica em informática.

Porém, para vencer definitivamente esse abismo paradigmático entre teoria e prática (em parte produzido pela deformação do modelo institucional do MEC/USAID) não basta unir ensino e pesquisa na investigação construtivista, é necessário também aproximar extensão e pós-graduação, através de uma nova interatividade Sociedade/Universidade em estreita sintonia com a realidade de cada local e com seus parceiros externos (os governos municipal, estadual e federal; empresas, fundações e organizações não-governamentais nacionais e internacionais; sindicatos, associações, instituições educativas e de utilidade pública). E como promover essa aproximação?

#Créditos em Disciplinas Especiais, vinculadas aos projetos de extensão e pesquisa do Departamento. Tanto nos Cursos de Graduação (com ênfase na pesquisa) quanto nos programas de Mestrado e Doutorado (com ênfase na extensão), exigir do aluno o pagamento de créditos em projetos de desenvolvidos pela Universidade.

#Especializações profissionalizantes. Para reciclagem técnica e pedagógica do corpo docente dos próprios cursos em relação interativa com a sociedade, defendo a criação de programas de especialização profissionalizante a nível de pós-graduação. Além de aproximar a graduação da pesquisa sem afastá-la da extensão, a proposta também evita a pulverização dos cursos de Comunicação Social pela diversificação tecnológica de suas habilitações.

#Fazer dos currículos dos cursos 'diagramas interativos de organização do saber' - como as Árvores do conhecimento do pensador contemporâneo Pierre Levy. Ele descreve um programa de gerenciamento do saber (o Gingo), que credencia e patenteia 'habilidades' e 'competências', permitindo, em tempo real, uma visão de conjunto e detalhe do conhecimento técnico das instituições. Mais que uma mera publicidade do programa, o livro apresenta uma ferramenta para construção de uma "democracia cognitiva". A idéia básica é muito simples e pode ser facilmente adaptada em diferentes modelos: apresentar uma imagem do saber da instituição, cartografando todas habilidades subjetivas da organização, reproduzindo seus atos administrativos em tempo real e até simulando situações futuras.

As 'Árvores do Conhecimento' são um instrumento de visualização do quadro geral da 'empregabilidade' - o que não diminui o desemprego tecnológico ou aumenta a democracia, mas organiza melhor as demandas ente a escola e o trabalho. Para nós, sua importância decorre de sua múltipla aplicabilidade às instituições de ensino superior: a avaliação do conhecimento dos estudantes integrada à pesquisa do professor, a avaliação do desempenho do professor integrada ao ensino e à sua pós-graduação, a avaliação conhecimento técnico dos funcionários integrado ao desempenho institucional, a avaliação institucional da universidade frente às demandas sociais e, finalmente, como prestação de serviços, a avaliação institucional do conhecimento técnico dos parceiros externos (governos, escolas, empresas, outras universidades) pela instituição que o utiliza.

Ao oferecer uma imagem holográfica, o modelo da árvore permite que a instituição conheça em detalhe cada um de seus elementos e que cada um formate melhor seu projeto de desenvolvimento dentro do conjunto da organização. Permite organizar o ensino segundo às demandas sociais e planejar as estratégias sociais de acordo com as qualificações. E por mais utópico que pareça para os burocratas especializados em avaliação institucional, essa exigência de integração entre a sociedade e a escola já se coloca claramente no ensino de comunicação.

O Curso de Comunicação Social da UFRN é o mais antigo de toda região Nordeste e contribuiu para formação de muitas gerações de jornalistas e profissionais vinculados à Comunicação. Porém, sua grande qualidade, esta grande proximidade do mercado de trabalho contando com os melhores e mais destacados profissionais da mídia, teve como aspecto negativo seu afastamento da pesquisa acadêmica e da pós graduação. Assim, apesar de sua grande interatividade com o mercado de trabalho e com a opinião pública, o curso de comunicação da UFRN sempre foi vítima de métodos de avaliação institucional inadequados e burocráticos da universidade, voltados para aferir apenas produção científica e titulação, sem levar em conta sua qualidade essencial ou a especificidade de sua produção.

Assim, ao longo dos muitos anos de funcionamento, o Decom acumulou uma razoável fatia de saber, elaborando um campo de conhecimento voltado ao conteúdo de linguagens técnicas, priorizando a formação técnica e ética do profissional de jornalismo, desvinculada das atividades acadêmicas e pesquisa e extensão. Ocorre que, dada a necessidade de adequar-se às mudanças ocorridas em todo mundo, não apenas nas áreas políticas e tecnológicas, mas principalmente, na retomada de uma visão não compartilhada do saber, o Decom já iniciou pequenas adaptações curriculares, como a oferta das disciplinas de línguas e de mídia digital. Porém, com as novas diretrizes curriculares do MEC para área de Comunicação Social, e também a reforma curricular colocada em curso pela atual administração da UFRN, surge a oportunidade de flexibilizar ainda mais a grade curricular (diminuindo as disciplinas obrigatórias e aumentando as optativas interdisciplinares) e de articular o ensino à pesquisa e à extensão, estimulando os cursos a se reorganizarem de modo abrangente e consistente, deixando que o debate e planejamento dos objetivos de cada curso, sejam o reflexo dos mais variados pontos de vista.

Ao contrário de outros departamentos que optaram por implantar atividades/crédito de pesquisa e de extensão simultaneamente às 'horas-aula' em cada semestre durante todo curso, entendemos que esta inserção deva ser gradual e alternada, permitindo que aluno conheça as todas as possibilidades de desenvolvimento oferecidas e escolha em quais quer se aprofundar. Também termina a concentração de disciplinas teóricas nos primeiros semestres e de disciplinas técnicas no final do curso. Neste modelo proposto, o aluno em um semestre paga créditos de extensão vinculados a disciplinas técnicas obrigatórias, e, no semestre seguinte, paga créditos de pesquisa vinculados a disciplinas obrigatórias teóricas. E, nos dois últimos semestres, o estudante pode pagar seus créditos de pesquisa e extensão onde preferir. Por outro lado, todos professores, principalmente os que trabalham em regime de dedicação exclusiva, devem dividir sua carga horária entre a sala de aula, uma das três base de pesquisa (Semiótica, Educação e Informação) e um dos cinco núcleos de extensão (Rádio, Mídia Digital, TV, Fotografia, Impresso).
 

Três Bases de Pesquisa:
Cinco Núcleos de Extensão:
  1. Informação, Comunicação e Cultura - Jarbas
  2. Semiótica, imagem e tecnologia - Eduardo
  3. Comunicação e Educação - Josemay
  1. Rádio - Pandolphi
  2. Mídia Digital - Marcelo Bolshaw
  3. Televisão - Miriam
  4. Fotografia - Marcelo Andrade
  5. Impresso (Jornal Laboratório) - Duarte
DISCIPLINAS OBRIGATÓRIAS
NÍVEL I
NÍVEL II
NÍVEL III
NÍVEL IV
NÍVEL V
NÍVEL VI
NÍVEL VII
NÍVEL VIII
NÍVEL IX
LET001
LET002
LET205
LET215
COM038
FIL619
COM037
COM047
P. Exp.
COM052
COM045
COM035
COM043
COM036
COM048
COM058
COM054
Pesquisa
RÁDIO
Semiótica
Mídia D
Edu&Com
TV
I, C e C
FOTO
COM033
Impresso
Extensão
Pesquisa
Extensão
Pesquisa
Extensão
Pesquisa
Extensão
Pesquisa
Extensão

Na realidade, o DECOM pretende com esta proposta de grade curricular, oferecer aos alunos uma composição equilibrada entre teoria, técnica e prática em cada parte do curso. Como também, faculta ao estudante um leque de disciplinas optativas com professores de outros departamentos (marketing, artes, informática) possibilitando autonomia para organizar e direcionar seus objetivos pessoais de formação.

DISCIPLINAS OPTATIVAS

NIVEL I
NIVEL II
NIVEL III
NIVEL IV
NIVEL V
NIVEL VI
NIVEL VII
NIVEL VIII
Técnica Vocal
História da Arte
Designe
Expressão Corporal
História da Música
Marketing I
Marketing II
Psicologia Social
Teatro
Redação Criativa
Tecnologia I
Vídeo Criativo
Tecnologia II
Inteligência competitiva
Tecnologia III
Sociologia
Inglês I
Francês I
Inglês II
Francês II
Inglês III
Francês III
Inglês IV
Francês IV

Os professores interessados em aumentar sua carga horária em relação a determinado projeto de pesquisa e/ou extensão também podem oferecer disciplinas complementares valendo créditos de participação nas bases e núcleos. Com isso, acreditamos que o elenco de disciplinas propostas pelo DECOM satisfará, pelo menos em um primeiro momento, às exigências definidas nas diretrizes curriculares do MEC, quando, além relacionar os conteúdos básicos e específicos de forma gradual e alternada no decorrer de todo curso, também permite uma formação humanística abrangente e consistente segundo seus interesses particulares de cada aluno.

Outro aspecto importante dessa reestruturação institucional e curricular é a preparação para se desenvolver um planejamento de pós-graduação dentro de objetivos integrados. E, assim, tentando dirimir o desequilíbrio em favor do aspecto técnico sobre o científico em que o curso se encontra sem cair nas tendências opostas do academicismo diletante em que outras cursos de comunicação se enclausuraram (promovendo mestrados e doutorados distantes do mercado e de uma relação interativa com a sociedade), o próximo passo do DECOM/UFRN será a discussão de um projeto de mestrado/doutorado interinstitucional voltado para qualificação de seu corpo docente dentro dos parâmetros e objetivos coletivos de pesquisa traçados por seu projeto institucional. Das três bases de pesquisa, podem surgir especializações. Assim, como dos núcleos de extensão poderão nascer novas habilitações. O projeto Acadêmico sofrerá uma revisão/avaliação anual, em uma plenária especial, se possível fora do Campus, convocada pelo DECOM no mês outubro especialmente com esta finalidade.

Essas iniciativas tomadas em conjunto fazem parte de uma estratégia de atualização técnica permanente do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e de ampliação dos conteúdos culturais do currículo do seu Curso do diante das transformações da cultura contemporânea.
 

Natal, 22 de Outubro de 1999.
Miriam Moema e Marcelo Bolshaw Gomes