APRENDIZ DE JORNALISTA
JORNAL ONLINE LABORATÓRIO DO DECOM/UFRN


VÍTIMAS DA INCONSTÂNCIA

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                Por: Adriano Medeiros Costa,  Eronildes Pinto, Eva Paula de Azevedo, Marcel Lúcio Ribeiro, Vilsemar Alves  


"Nossa falta de identidade cultural é um legado dos  nossos colonizadores."


  A jornalista Josimey Costa nasceu em São Paulo, filha de mãe norte-rio-grandense e pai pernambucano, obteve mestrado na área de Ciências Sociais com a tese “A Palavra Sobreposta. Imagens da Segunda Guerra em Natal”, como também produziu um elogiável documentário em vídeo que leva o mesmo nome. Ela já trabalhou nos principais veículos de comunicação do Rio Grande do Norte, mas atualmente optou pelo magistério na UFRN, onde leciona as disciplinas de Sociologia da Comunicação e Comunicação Cinematográfica no curso de Jornalismo. Desenvolve também um trabalho de base em Meios de Comunicação e Educação e outro em Estudos da Complexidade.Em entrevista a Aprendiz de Jornalista ela dissecou algumas de suas opiniões.

Aprendiz de Jornalista:  Numa época em que predomina a globalização, por que a cultura local ainda é importante? 

   Josimey Costa:  Numa época em que a globalização predomina, as culturas locais se  apresentam não só como focos de resistência, mas também como a prova de que uma pasteurização, um “amalgamamento” cultural, não acontece sem que seja incorporado a esse amalgama os traços das culturas locais. Isso ao mesmo tempo que descaracteriza um pouco essas culturas locais faz com que elas sobrevivam , porque não se pode incorporar algo  a um todo maior, se aquele algo estiver morto. Só se pode incorporar, se ele permanece pelo menos em germe como alguma coisa viva, alguma coisa ativa e aí faz-se uma troca. é evidente que uma cultura menos agressiva acaba sofrendo mais do que uma cultura mais dominante seja economicamente ou politicamente, porque essa cultura mais forte acaba predominando, só que isso não quer dizer que a outra cultura vá se acabar, a não ser que morram todas as pessoas e aí não reste nada como o caso da cultura indígena, que mesmo assim não morreu porque nós a herdamos, eu, por exemplo, moro na rua Jaguarari. Acabamos  com os potiguares,  não há mais índios no Rio Grande do Norte, há resquícios de índios ainda na Paraíba, Alagoas. No nosso estado eles foram dizimados mas sua cultura permanece: Caicó, Potengi, Jundiaí, Jaguarari. Então ainda mantemos a vida dessa cultura local. Porque até para que haja o predomínio de uma sobre outra, é necessário que exista essa outra que não será predominante. Tem mais uma questão a ser considerada: se não houver elementos de identidade entre a cultura que está chegando e a cultura que já existe, a cultura que está chegando é completamente rejeitada;  vide o exemplo das culturas asiáticas, africanas; como elas demoraram a absorver alguma coisa da cultura cinematográfica holywoodiana, havia uma discrepância cultural tão grande que elas não entendiam o que a cultura ocidental tentava dizer. Isso não quer dizer que a cultura ocidental  não vá chegar nunca, mas sim que permanece forte a cultura local. Vê-se o cinema iraniano, por exemplo. Um cinema hoje extremamente cultuado que podia ter morrido mas permaneceu. As culturas locais têm essa força, mesmo em meio a uma enxurrada de globalização cultural norte- americana.

A.J.:  O que se perde quando não se conhece a própria cultura?

  J.C.:  Se perde a identidade, se perde a possibilidade de manter mais forte as suas próprias raízes, se perde a densidade do conhecimento, porque aí você terá  sempre uma coisa que foi superposta numa camada superficial e o que você tinha como base, como alicerce, se perdeu. Qualquer possibilidade de queda vai resultar numa queda.

 A.J.: Que autores e pensadores locais, como também universais tiveram grande influência sobre a senhora?

   J.C.:  Eu acho complicado responder essa questão, do mesmo modo que é  responder qual o grande  filme que marcou minha vida, ou a grande música, a grande obra. Porque eu tenho uma dificuldade em delimitar alguns, assim, num curto espaço de tempo, mas eu posso tentar fazer isso, sabendo que vou cometer algumas injustiças, com certeza esquecerei de pessoas que foram super- importantes na formação do meu pensamento. Tentarei fazer essa lista por fases, porque ao longo das várias fases da vida o ser humano está em permanente mudança. Na adolescência eu li muitos autores internacionais e a minha leitura era mais voltada para a literatura, aliás até pouco tempo era minha leitura principal, hoje ela não é a principal; eu misturava literatura brasileira, francesa, americana. Hoje ela não é mais principal, porque eu tenho que fazer umas leituras técnicas exigidas pela profissão de jornalista e pela a de professora, mas eu não posso passar sem ter algum livro literário na cabeceira. Enfim: Sartre na adolescência foi importante, eu li apenas um livro dele: “A Náusea”, mas foi de uma grande importância na formação do meu pensamento; Thomas Hardy tem um livro chamado “Judas, o Obscuro” me motivou, por conta daquele tipo de pessoa que é meio marginal, mas que tem um cuidado, uma delicadeza, ao lidar com a vida, esse livro foi muito significativo; Auta de Souza, eu tive contato com ela na escola e a achei muito interessante o seu estilo de fazer verso; li também Fernando Pessoa e nessa época, eu não lia muito os autores locais. Depois , na fase adulta, eu comecei a ler Simoune de Beavoir e  gente aqui de Natal, porque  na época eu tinha um programa na TV Universitária chamado “Leitura Dinâmica”, junto com Tarcísio Gurgel, eu produzia e apresentava, havia uma sinopse e nós recebíamos indicações de livros, então por causa desse programa, eu comecei a receber autores locais e tomei um contato maior com Câmara Cascudo; comecei a ler contemporâneos como Tarcísio Gurgel, Marize de Castro; comecei a ler os poetas locais, Jorge Fernandes, Zila Mamêde; e o pessoal que trabalhava com uma linha mais da diversão, da crônica, mais leve e eu posso citar Celso de Silveira. Do ponto de vista filosofia, das obras ensaísticas, o contato só veio acontecer agora, na fase mais madura, que eu comecei a trabalhar com autores que estão me influenciando do ponto de vista teórico e eu posso citar como primeiro deles: Edgard Morin, pensador fundamental para quem está trabalhando com ciências humanas ou qualquer outra área; e posso citar ainda, Pierry Levy;  há outros pensadores que nem têm livros publicados, mas estão me influenciando, que é o caso de Edgar Carvalho, Ceiça Almeida, Arnon de Andrade, são pessoas que pensam e escrevem sobre a realidade. Agora, eu estou lendo Clarissa Pinto, que é uma escritora norte-americana que está discutindo a condição feminina, mas do ponto de vista do imaginário, dos mitos, das grandes narrativas, ela é uma analista de natureza niilista e ela vai discutir a postura da mulher diante da vida. Livro fundamental não só para mulheres, para homens também. Pode ser que existam  livros desse tipo para homens, mas eu acho que não muitos porque ela trabalha com forças poderosas do ponto de vista da emoção, da intuição e eu acho que isso não é muito aplicado para os homens na literatura. É uma descoberta de mim mesmo que estou fazendo nessa leitura e tem também alguns autores russos: Tolstói, Dostoiévski. Estou lendo também Guimarães Rosa. Dos locais tenho lido Marize de Castro. A publicação dos autores locais é pequena e não temos possibilidade de muito acesso.

  A.J.:  Por que a Paraíba zela e estima tanto os seus artistas e escritores e por   que o Rio Grande do Norte não faz o mesmo?

   J.C.:  Essa pergunta demanda todo um raciocínio e estudo aprofundado do ponto de vista psicológico, antropológico, da comunicação, filosófico, etc. E eu não tenho uma resposta para essa pergunta, além do mais, acho arriscado alguém dizer “é por isso que acontece isso”. Mas o que eu posso dizer, é porque, não exatamente a questão do trato dos seus artistas, dos seus autores, mas a questão da relação do natalense, da cidade de Natal com a sua produção cultural, essa eu dei uma refletida sobre ela por causa  da  minha  dissertação. Conversei com pessoas comuns e estudiosos, e cheguei a conclusão que Natal é uma cidade que não tem uma identidade cultural forte. Se você pergunta qual é o produto cultural genuinamente natalense, você  terá muita dificuldade de identificar. Você pode dizer assim: “Diga um exemplo de um produto cultural genuinamente baiano: axé, acarajé (um deles), baiana”. Vai para Minas Gerais: o pão de queijo de Minas, um tipo de música que é bem característico da música caipira mineira, lembra a de São Paulo, mas você identifica: “Ah, veio de Minas”, e se você pensar mais contemporaneamente, tem o Clube da Esquina, pessoal que toca uma música que você diz: “Esse pessoal é de Minas”, Skank é de Minas . No Rio Grande do Sul você encontra isso, alguns estados do Brasil tem essa característica forte. Vai para São Paulo, você tem as coisas que são de São Paulo e é uma cidade que poderia não ter identidade nenhuma cultural, porque ela tem todas, mas tem uma coisa que você diz que só podia ser paulista mesmo. No Ceará, não há muita diferença, em termos de produtos culturais, do Rio Grande do Norte ou da Paraíba, mas o cearense se afirma enquanto cearense: no humor, na música, você encontra grandes nomes a nível nacional. Na Paraíba há um cuidado com a sua produção, no Rio Grande do Norte isso não é percebido. Essa foi uma questão que me levou a fazer perguntas para pessoas e elas diziam que o nosso estado não tinha uma grande produção cultural, já os especialistas dizem que isso tem haver com a nossa formação cultural: antes das capitânias hereditárias, Natal tinha um grande número de franceses; vieram os portugueses e os expulsaram, o problema é que os índios já estavam habituados com os franceses; depois, vem os holandeses e expulsam os portugueses e logo depois aqueles são expulsos pelos portugueses. Com o regime das capitânias ganhamos um capitão que não era daqui, mas Pernambuco; éramos uma capitânia agregada. Quando começamos realmente a ter um paz cultural, chegam os americanos. Segundo Cascudo, vieram dez mil soldados americanos para uma população de cinqüenta e cinco mil pessoas, foi um impacto muito grande. Os americanos trouxeram suas comidas, seu visual, seus hábitos, colocaram cinema, enfim  toda sua cultura para a nossa cidade; quando eles chegaram Natal não tinha sequer rádio e sim o difusor que era uma pessoa que saia distribuindo alto-falantes pelos postes e transmitia o que queria. Natal era uma cidade de interior no litoral e quando menos se espera surge rádio, cinema, grandes artistas. O cotidiano norte-americano é trazido para Natal com uma forte imagem de povo dominante, cultura rica, que o pessoal da província ouvia falar dos artistas e que quando os americanos vieram, trouxeram esses artistas. Pelo sim, pelo não esses fatos acontecidos na cultura de Natal, ao que parece, transformou Natal numa cidade permeável culturalmente. Nós não temos muita resistência à coisas que vêm de fora, pelo contrário, aceitamos com muita facilidade, talvez porque não tenhamos identidade ou porque tenhamos construído a nossa identidade exatamente dessa mistura. Na verdade, o que nós somos é esse desapego, que tem um lado ruim: deixar escapar a nossa cultura pelo ralo, tendo, então, uma produção característica nossa com muita dificuldade de sobreviver, por outro lado isso permite que nós possamos ter contato com tanta que termina por ampliar a nossa visão de mundo e quem vem de fora para Natal sempre diz isto: “Natal tem um clima, é pequena mas parece uma cidade grande”. Natal parece com o Rio de Janeiro tem aquele aspecto cosmopolita em termos de espírito de alegria. O litoral abre o espírito, como disse Woden Madruga, porque é aberto à saída e à entrada, então o que é muito aberto tanto deixa entrar quanto sair, pode ser essa explicação para o fato do natalense não ter muito apreço pelos seu filhos produtores: o natalense aprecia tudo. Isso é injusto com quem produz aqui? É. Porém isso permite que o natalense não se feche no xenofobismo.

A.J.:  Por que os grandes prêmios destinados à cultura brasileira são promovidos por empresas estrangeiras, como o Prêmio Sharp de Música e o Shell de Teatro?

J.C.:  Não sei se isso pode ser dito. O Prêmio Mambembe de Teatro não é promovido por uma empresa estrangeira. A música é a grande impulsionadora da cultura de massa, por isso aparece mais na mídia. Há o Prêmio Jabuti para literatura. Apesar de não concordar com a pergunta, não tenho preconceitos, já que a economia é aberta por que não a cultura?

A.J.: A senhora acha que a mídia é inimiga da cultura popular local?

J.C.: Não. Isso pressuporia uma intencionalidade na ação de dizimação da cultura popular local. Temos uma postura de colonos, submissão cultural à cultura norte-americana e à européia. Do ponto de vista da cultura de massa à cultura norte-americana e do ponto de vista da cultura erudita à cultura européia. Somos submissos, mas também temos resistências, coisas que são nossas. A mídia local tem uma postura colonizada que o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo em relação a Europa, Estados Unidos: uma banda de outro país tem um grande espaço na mídia. Aqui acontece a mesma coisa, só que como não vêm bandas internacionais para Natal, nós vamos fazer isso com os cantores e bandas nacionais. A maior parte do que está no ar aqui vem de São Paulo. Então a mídia apenas traduz isso, ela não vai valorizar muito a cultura local, porque nós não temos essa identidade cultural marcada e porque nós temos uma boa dose de colonialismo.

A.J.: Na sua opinião, como se manifestou e qual a importância da influência americana durante a II Guerra? A senhora poderia citar alguns exemplos (no que diz respeito a hábitos e relações sociais)?

J.C.: Já falei um pouco sobre isso anteriormente, só vou complementar dizendo que os entrevistados da minha dissertação e do documentário disseram que... tem haver com o testemunho deles, porque eles viveram essa época e aí disseram que eles trouxeram uma maior liberdade nos costumes porque eles namoravam abertamente, diferente  do que acontecia aqui;  o comportamento era mais formal, os homens sempre saiam de paletó e chapéu, mas aí com os americanos eles passaram a ter um jeito mais informal de se vestir, de se portar tanto os homens quanto as mulheres. As mulheres passaram a fumar, beber. Começou a haver vida noturna na cidade, que era uma coisa muito restrita aos boêmios e aí com os americanos passou a ter festas, bailes. As moças solteiras iam. Isso abriu o comportamento, liberou o ponto de vista sexual, o comportamento dos natalenses, por conseguinte dos homens também. Houve também uma aceleração do consumo de produtos estrangeiros. Os americanos trouxeram cerveja, chiclete, literatura, jeans, filmes, etc. as mulheres começaram a usar calça comprida naquela época e houve uma miscigenação étnica, porque muitas mulheres casaram com muitos homens americanos e aí a gente tem um monte de galeguinhos. Então houve toda uma aceleração da evolução que talvez acontecesse nessa direção que aconteceu da cultura local natalense, mas houve uma aceleração; me parece que Natal pulou algumas etapas: ela saiu de um estado um pouco provinciano que era a sua realidade antes da chegada dos americanos e já passou para uma situação mais cosmopolita, antes até das suas cidades vizinhas, dos estados vizinhos. Hoje, a gente está mais ou menos no mesmo patamar, mas quem sabe se não foi isso que nos deu essa abertura a qual eu me referi no começo da entrevista.

A.J.: Na sua opinião, quem fez intencionalmente filmes  genuinamente brasileiros e de qualidade? E o que a senhora pensa a respeito do filme “For All - O Trampolim da Vitória”, que retrata Natal na época da II Guerra?

J.C.: Filmes genuinamente brasileiros. Olha é tão complicado dizer isso. O que é um filme genuinamente brasileiro? Se você quiser saber um filme que vai trabalhar só com elementos da cultura brasileira, eu diria que é muito complicado citá-lo também, porque a gente vai encontrar, por exemplo num filme genuinamente brasileiro entre aspas como “Central do Brasil” elementos do Neo-realismo italiano, em “Orfeu do Carnaval” encontramos muito do carnaval de New Orleans. Glauber  fez um filme genuinamente brasileiro, porque era do Cinema Novo, onde foi que ele bebeu para fazer o filme genuinamente brasileiro? foi no Neo-realismo italiano e na Nouvelle Vogue francesa, aquele estilo existencialista da narrativa é da Nouvelle Vogue, o uso da câmera  com a idéia na cabeça e a pobreza de cenário são do Neo-realismo. O que é genuinamente brasileiro?  É pegar essas referências  e fazer uma coisa de boa qualidade, então não dá para eu citar esses filmes. Porém eu posso citar diretores que eu considero bons e por acaso são brasileiros: Nelson Pereira dos Santos, Fábio Barreto, Walter Salles, etc.

“For All” eu acho uma lástima enquanto cinema. Infelizmente, a temática podia dar um grande filme. Tem um cenário legal, figurino legal, uma música que não é ruim, possui uma abertura interessante usando a linguagem dos quadrinhos, etc. Porém, possui uma péssima direção, uma horrível direção de elenco, um roteiro triste, uma montagem pífia e com isso tem-se uma obra menor, que eu não entendo como ganhou tantos prêmios. Lamento isso ter acontecido num filme que tem uma temática natalense. É triste, podia ter sido um filme tão interessante, o assunto é riquíssimo.

A.J.: Na mostra de filmes etnográficos que aconteceu na FIERN, foi exibido um curta-metragem cujo narrador era um agricultor do interior do Brasil. A platéia não gostou do filme porque não entendeu o que o agricultor disse, logo um professor chamou a atenção para o fato de não conhecermos a nós mesmos. Como a senhora explicaria isso?

J.C.: Conhecer a nós mesmos é o que há de mais difícil. É para isso que existe psicanalista e psicólogo, porque é dificílimo você se perceber. É a viagem mais fantástica que qualquer ser humano pode fazer. O povo é formado por indivíduos, então se é difícil você se conhecer como pessoa interiormente, lógico que é difícil você se conhecer como povo. Temos dificuldades em reconhecer nossos sentimentos, emoções, possibilidades e potencialidades, isso faz com que tenhamos dificuldades de nos reconhecer como povo. Uns povos se conhecem mais e outros menos como há pessoas que se conhecem melhor do que outras que não se pensam. Existem povos que não se pensam, não se refletem, e eu acredito que Natal é um deles. Natal não se pensa enquanto cultura, isso é característica de cidades colonizadas, de terceiro mundo. Por outro lado isso nos dá a possibilidade de estar sempre revendo essa questão, um povo que se pensa muito, mas de uma maneira errada pode de repente se achar o centro do universo; os franceses acham isso: “eu sou a cultura do mundo”, os norte-americanos também, enquanto povo, não estou falando dos pensadores em si.

A.J.: O Rio Grande do Norte aceita melhor o que vem de fora, porque julga que o que é produzido a nível local não presta?

J.C.: Eu acredito que sim. Isso é um pouco a nossa realidade, mas eu acredito que isso é a realidade de qualquer cultura que é colonizada, que recebe de fora muita coisa pronta e é por isso que acontece, por exemplo, a rejeição ao sotaque da pessoa. O termo a ser usado nessa situação não é, exatamente, complexo de inferioridade, mas há uma certa desvalorização do que é produto local. É nesse sentido que nós estamos falando, tipo assim: “o santo de casa não faz milagre”. Lógico que isso é mais forte em culturas mais colonizadas, como é o caso do terceiro mundo, do Nordeste. Mas nós não podemos generalizar dizendo que o nosso estado aceita tudo e nada do que nós produzimos  presta, não é por aí.

A.J.: Por que não existem movimentos culturais em Natal tão vigorosos quanto em Recife ou Olinda? A senhora acredita que o movimento de revitalização da Ribeira vai se firmar?

J.C.: Em outras perguntas eu já respondi  90% dessa questão, porque eu fiz uma análise do que foi a evolução cultural de Natal e a resposta está um pouco nessa evolução. A parte que não está respondida é quando você compara com Recife. Esse ano eu participei de um festival de cinema em Recife e vi como as pessoas comparecem e prestigiam o evento, além disso vi na cidade o cuidado e o carinho que se tem com as coisas, com a História, de lá. O pessoal diz: “não é porque Recife é mais antiga que Natal?”. Ora, Recife tem apenas 62 anos a mais que Natal, só. E vê-se a História da cidade estampada na rua, nos prédios, nos monumentos. Vê-se o manguebeat acontecendo e aqui não se vê isso. Não é um defeito nosso, é característica; temos que tirar partido dessa nossa  característica: deixando de produzir coisas locais? Não. Tentando valorizar um pouco mais essas coisas locais, mas sem perder essa abertura, sem cair no bairrismo, este é que é prejudicial. Nós, afinal, somos habitantes da terra e a terra está no universo. Então, eu discordo de se ter uma fronteira fechada.

Em relação à Ribeira, o prognóstico é difícil de fazer, porque a realidade é dinâmica, mas  do jeito que está indo, a revitalização não vai se firmar. Mas quem sabe, exatamente que esse andor devagar não vá forçar as pessoas a tomarem uma atitude mais eficiente, de mais cuidado e carinho com a sua História.

A.J.: Pode haver internacionalização de cultura sem que se acabe ou descaracterize as peculiaridades locais e nacionais?

J.C.: Pode, tem-se que tomar certos cuidados como  a reflexão e conhecimento de si mesmo, só assim é que a cultura pode viver.  

A.J.: Com a chegada do novo milênio, a senhora prevê um aumento do cosmopolitismo ou uma surpreendente volta às raízes?

J.C.:  Há correntes que analisam o crescimento do cosmopolitismo, da globalização cultural econômica como há correntes que dizem que teremos uma volta, uma espécie de tribalismo, Mafessoli que diz isso, é o neo-tribalismo. Eu acho difícil de prognosticar. Eu sei que a tendência é que cada vez mais tenhamos mais contato: internet, etc., vão abrindo as possibilidades de contato. Se isso vai nos transformar em aldeias incomunicáveis, do ponto de vista cultural, eu acho complicado dizer que isso vai acontecer. Mas também  não vai permanecer com o acirramento étnico, a gente está vendo isso na Europa e nas torcidas de futebol.