APRENDIZ DE JORNALISTA
JORNAL ON LINE LABORATÓRIO UFRN SETEMBRO 2002


 

A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA NA VISÃO DOS REITORÁVEIS

 

Professora Arlete*

Aprendiz de Jornalista — Qual a sua opinião acerca do atual projeto da ANDIFES nas universidades publicas brasileiras?

Professora Arlete — O projeto antigo, o do MEC, tratava as universidades públicas e privadas no mesmo documento e isso desapareceu na nova proposta, agora se trata de um documento que se refere apenas às universidades públicas federais. Aparece como novidade o capítulo das fundações  e  isso é algo que precisa ser bastante discutido pela comunidade, não esta muito claro   a necessidade de estar incluso num projeto desta natureza e estabelece ,também , modificações em relação ao próprio ente jurídico que não havia esta definição no proposta anterior. Portanto é uma proposta que vem da ANDIFES no sentido de regulamentar o que se entende por autonomia; para alguns, é o capítulo 207 da constituição federal, ele já diz que a universidade já tem autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e, para alguns, este artigo é auto aplicável, ou seja, não precisa regulamentação, no entanto, no dia-a-dia da universidade ela tem mostrado uma crescente intervenção por parte do MEC e em todos os seus aspectos, seja questões de natureza acadêmica, definindo regulamentação de cursos, condições de ofertas e reconhecimento de curso ,seja de graduação, seja da pós-graduação, definindo regras de procedimentos de compras, de contratos, de concursos. A intervenção em relação à própria procuradoria  geral da universidade , enfim, uma  série de intervenções que coloca claramente em xeque o pessoal da autonomia da universidade. Então, pensando nessa questão é que a ANDIFES está propondo uma  lei orgânica  das universidades na tentativa de disciplinar.Não é uma discussão que esteja acontecendo com muita profundidade, ainda, no interior das universidades, acho que é necessário inda pensar com bastante cautela sobre o que são  e que faz parte desse projeto.

 

Aprendiz de Jornalista — Existe outro modelo de autonomia que o Sra. defenda?

Professora Arlete — A autonomia didático-científica seria a autonomia de pensar, de criar novos cursos, de extinguir programas, de liberdade dos processos pedagógicos, das atividades do livre pensar, da independência da pesquisa, da relação com a sociedade, que passe apenas pela preocupação fundamental de servir a comunidade. Portanto, pensar em uma universidade autônoma seria de fato dar liberdade para a universidade pensar a forma de funcionamento; se nós pensarmos em termos de autonomia de gestão patrimonial – o próprio nome ta dizendo: é de gestão; eu apenas vou gerir o patrimônio da instituição, e evidentemente dentro daqueles princípios que norteiam toda a administração pública – não pode ser diferente – mas evidentemente guardando aquilo que é mais sagrado numa instituição universitária, que é a liberdade de pensar e a capacidade de fazer a crítica da sociedade e de não estar subordinada a interesses que são estranhos à própria comunidade universitária. Então, pensar numa universidade autônoma significa dizer, romper qualquer idéia que seja a idéia de subordinação, de submissão a quaisquer interesses que sejam estranhos à universidade; portanto é possível ter uma universidade autônoma.

 

Aprendiz de Jornalista — Qual seria a importância de uma universidade efetivamente autônoma?

Professora Arlete — Uma universidade autônoma é uma universidade que, por exemplo, não define suas pesquisas pela ótica do retorno imediato do lucro, então essas são preocupações que podem ser muito adequadas no contexto de uma universidade privada, mas não de uma universidade pública, que deve se orientar fundamentalmente pelo serviço que ela presta à comunidade, pelo resultado que ela pode gerar e favorecer à comunidade como um todo, independente se isso traz retorno de curto ou médio prazo, ou seja, os princípios que devem orientar uma universidade pública autônoma são os princípios de servir bem à comunidade, procurar faze-lo e ter um compromisso social efetivo com a comunidade sem está preocupado no sentido de produzir uma ciência que seja atrelada a uma ou outra coisa isso não significa dizer, evidentemente, que você não possa e não deva fazer uma ciência aplicada. Não, você deve fazer, deve a universidade colocar  o seu conhecimento à disposição da comunidade na tentativa de resolver os seus inúmeros problemas, seja de ordem  de gestão, social, do próprio desenvolvimento do Estado; e isso ela deve fazer; o que deve ter é o cuidado de preservar a identidade, a capacidade de se fazer independência  e ter um pensamento que seja fundamentalmente marcado pela preocupação acadêmica, pela preocupação científica de colocar os problemas da comunidade na sua correta dimensão; acho que isso é o grande papel de uma universidade autônoma.

 

Aprendiz de Jornalista — Caso eleito(a), o Sr. (a) lutará por uma universidade efetivamente autônoma?

Professora Arlete — Bom, com certeza; inclusive recentemente distribuímos uma carta à comunidade universitária, onde esse é um princípio sagrado: a questão da autonomia da universidade. E autonomia entendida fundamentalmente como não subordinação da universidade a interesses que sejam estranhos a ela. Então, por tudo aquilo que eu falei anteriormente, eu acho que a defesa da instituição autônoma, ela é fundamental, é compromisso de todos aqueles que desejam de fato uma universidade pública, plural ,de qualidade e que de fato cumpra a sua finalidade social; porque não basta fazer discurso, o discurso de defender a autonomia é sempre um discurso muito fácil, até porque todos desejamos ter uma universidade autônoma. Então a nossa proposta é de fato efetivar o que nós entendemos por autonomia; autonomia didático-pedagógica, de pensar os seus projetos formativos com independência, evidentemente ouvindo alunos, ouvindo entidades, ouvindo a sociedade, assim a universidade cumpre o seu papel ao apresentar para a comunidade um pensamento, ao expor, a transmitir um conhecimento que seja fruto de uma discussão acadêmica que não esteja atrelado e que não esteja preocupado, na verdade, se esta posição vai agradar a A ou a B.

 

Aprendiz de Jornalista — Qual é o papel da comunidade universitária na luta pela construção de uma universidade efetivamente autônoma?

Professora Arlete — Acho que pensar como a comunidade universitária pode participar é estimular o debate, estimular as discussões de temas importantes fazendo com que passe a ser- vamos dizer assim- um tema da ordem do dia, da preocupação cotidiana, que na verdade, hoje, está completamente deslocada da agenda de discussão. Se olharmos as pautas das discussões que tem ocorrido nos nossos colegiados superiores, veremos que as grandes questões não têm ocupado esse espaço. Nós nos perdemos em questões eminentemente burocráticas e não fazemos a discussão dos grandes temas. Entretanto, é evidente que a participação não está restrita aos colegiados, pode ocorrer também através de fóruns de conversas e visitas, de criação de espaços públicos de debates. Acho que a comunidade como um todo sente falta disso.

 

Aprendiz de Jornalista — De acordo com o artigo 207 da constituição federal, as universidades federais gozam de autonomia didático-científica, administrativa, e de gestão financeira e patrimonial. No entanto, as regras eleitorais para a escolha do novo reitor são ditadas pelo MEC. Como pensar, então, em uma universidade efetivamente autônoma se o cargo de reitor tem que passar pela aprovação do MEC? 

Professora Arlete — Isso é um absurdo! Você tem o próprio artigo da constituição que diz que as universidades têm autonomia, no entanto há intervenções de toda a natureza. Portanto, há um discurso contraditório: afirma-se uma coisa e faz-se outra. A própria comunidade universitária é que deve escolher o seu dirigente máximo, pois apenas ela conhece a trajetória dos candidatos, sabe avaliar corretamente as questões que são colocadas, portanto, nada melhor que ela para conduzir esse processo. A intervenção do Ministério da Educação é um resquício da ditadura, que tenta impor alguma forma de controle sobre as instituições públicas federais, assim como ocorreu em um passado recente na UFRJ, desrespeitando um desejo legítimo da comunidade universitária. 

 

Aprendiz de Jornalista — Caso o reitor eleito pela comunidade não tenha a "simpatia" do MEC, o Sra. aprovaria uma intervenção por parte do governo, como aconteceu com o Vilhena na UFRJ? E se fosse o Sr. o indicado? E se fosse a Sra a indicada?

Professora Arlete — Absolutamente. É inaceitável. Acho que a consulta a comunidade deve ser respeitada; aquele candidato ou candidata deve ser mantido, deve ser ele o nome a ser referendado pelo MEC; eu acho que você não tem que permitir nada desse tipo e deve reagir de forma veemente à qualquer indicação, á qualquer decisão nesse sentido. Não tem o menor sentido, quer dizer, evidentemente não aceitaria.  A decisão da comunidade deve ser respeitada; e isso eu acho uma cosa sagrado: o direito, o respeito à comunidade.

 

Aprendiz de Jornalista — A questão de a universidade ter um procurador subordinado ao governo não prejudica sua autonomia? Na UFRJ, o atual reitor nomeou, através de um conselho superior, um acessor para cuidar das questões de ordem jurídica daquela universidade, passando assim, por cima das ordens da União. Como o Sra. vê o autoritarismo do MEC e a resposta dada pelo reitor da UFRJ?

Professora Arlete — A universidade dentro de uma filosofia de universidade autônoma, deve procurar as formas de se colocar contrária a determinadas iniciativas que venham por parte do governo federal como sistematicamente vem ocorrendo; repito o que já tinha firmado anteriormente: pensar em uma universidade autônoma é pensar em uma universidade de forma independente, é procurar reagir investidas de toda ordem que venham por parte do governo federal no sentido de garantir esse espaço sagrado da questão da autonomia universitária ; se ele é um valor caro,sagrado para toda a comunidade universitária, ele deve ser perseguido sempre.

 

Aprendiz de Jornalista — Autonomia universitária: utopia ou realidade?

Professora Arlete — Hoje, a autonomia universitária é uma utopia no sentido de que nós estamos subordinados e agindo também de forma subordinada às decisões, que são originarias do governo federal, nos colocando a essas decisões de maneira pouco crítica. No entanto, se a pergunta for no sentido: a autonomia universitária pode vir a ser uma realidade? Aí eu digo que sim, quer dizer, dependerá do esforço de todos. O discurso apenas não funciona, tem que se pensar em uma autonomia de forma concreta: como agimos, como funcionamos, como intervimos, quais são as nossas atitudes em relação a determinadas demandas, como nos comportamos em relação a determinadas solicitações. Isso sim é pensar de forma concreta. Além do que, uma universidade autônoma independente é fundamental à sociedade como um todo.

 

(*) Foto Tribuna do Norte