APRENDIZ DE JORNALISTA
JORNAL ON LINE LABORATÓRIO UFRN SETEMBRO 2002


 

A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA NA VISÃO DOS REITORÁVEIS

 

Professor Adilson Gurgel *

 

Aprendiz de Jornalista — Qual sua opinião acerca do projeto da ANDIFES sobre autonomia universitária?
Professor Adilson Gurgel Procurei no site da ANDIFES e ela mesma não tem um projeto específico sobre autonomia universitária. Encontrei seus comentários a respeito da proposta de autonomia apresentada pelo MEC àquela entidade. No posicionamento, a ANDIFES ressalta, de forma expressa, que a autonomia das IES é assegurada pela Constituição Federal (o que é verdade). Critica a forma simplista com que o projeto confunde autonomia com financiamento.  Há algumas críticas, procedentes, no sentido de que a universidade pública não deve ser gerenciada como uma empresa privada, nem deve ter desvinculado o ensino da pesquisa com a malfadada idéia de criação de "centros de excelência", nem deve-se administrar as universidades públicas a partir de parâmetros como custo-aluno. No entanto, o texto não defende como deve ser essa autonomia, No entanto, o texto não defende como deve ser essa autonomia, pois assim afirma expressamente: "A responsabilidade que nos toca não é escolher um dos 'projetos de regulamentação da autonomia' postos na mesa de negociação, mas a sobrevivência da instituição universidade pública." Em outro documento, intitulado "Fundamentos para a Autonomia Universitária", a ANDIFES defende novamente um tipo especial de ente jurídico para as Universidades Públicas, o plano único de carreira docente e também de carreira técnico-administrativa, nacionalmente unificado. Defende mais: a reposição dos quadros de pessoal e sua permanente qualificação; a destinação de 75% dos recursos federais para educação superior; a flexibilização do orçamento; a garantia legal de regularidade dos repasses financeiros e a permanência das regras legais de controle da gestão de recursos públicos.

 

Aprendiz de Jornalista — Existe algum outro modelo de autonomia que o sr. defenda?

Professor Adilson Gurgel Como dito acima, não me parece que a ANDIFES tenha apresentado um modelo seu de autonomia, a não ser que as IES devem constituir um tipo especial de pessoa jurídica de Direito Público interno, para não confundir as atuais autarquias com as fundações públicas. Particularmente, defendo a universidade pública, gratuita e de qualidade. Para isso fizemos greve e para isso lutaremos até o fim, pois esta é uma conquista que já está assegurada na Constituição Federal, que garante à Universidade a sua autonomia didática, científica e financeira, nos moldes do art. 207.

 

Aprendiz de Jornalista — Qual seria a importância de uma universidade efetivamente autônoma?

Professor Adilson Gurgel Passado o colonialismo da época das grandes descobertas, hoje em dia o colonialismo é cultural e tecnológico. Na área cultural, a teoria neoliberal procura fazer com que esqueçamos até a nossa língua mãe, tornando rotina palavras estrangeiras praticamente sem sentido no Português. Na área tecnológica, a falta de pesquisa faz com que fiquemos cada vez mais dependentes de países mais desenvolvidos, que nos vendem tecnologias ultrapassadas e que nos mantêm em atraso ainda maior. Resultado: a autonomia universitária, permitindo maiores pesquisas e melhores resultados podem até tirar o país desse marasmo tecnológico, pode ajudar a desenvolver regiões com tecnologias nossas, pode resolver nossos problemas com nossas idéias.

 

Aprendiz de Jornalista — Caso eleito, o Sr. lutará por uma universidade autônoma? De que forma?

Professor Adilson Gurgel Com esse intuito, a primeira forma de luta é contar primeiro com o apoio da comunidade universitária. Em sendo esclarecida sobre a importância do tema, ela será o amparo que todo administrador precisa para ir à luta. Esse apoio seria reforçado com a união das demais IFES públicas. Em seguida, podemos ir às bases parlamentares federais, em obediência ao sistema de democracia  representativa que o Brasil adotou. Com as conquistas democráticas, inclusive no Congresso Nacional, poder-se-ia ter um novo tipo de universidade, mais consoante com os anseios nacionais. Enquanto essas conquistas não chegam, as universidades públicas podem continuar produzindo mais e melhor, sempre voltado para as necessidades brasileiras, atendidas por modelos brasileiros e não por adaptação de modelos importados e não criados para nossa realidade. Afinal, não se pode ficar se justificando a falta de produção científica com desculpa de que a autonomia ainda não foi regulamentada.

 

Aprendiz de Jornalista — Qual o papel da comunidade universitária na luta pela construção de uma universidade efetivamente autônoma?

Professor Adilson Gurgel Creio ter respondido parcialmente essa pergunta no item anterior.Realmente, de quase nada adianta a luta se a própria comunidade universitária não estiver devidamente informada e convencida sobre o que é e qual a importância da autonomia universitária. O apoio integral dessa comunidade é fator preponderante e decisivo para a conquista de melhor situação para as universidades. Inadmissível a apatia.

 

Aprendiz de Jornalista — De acordo com o artigo 207 da constituição federal, as universidades federais gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. No entanto, as regras eleitorais são ditadas pelo MEC. Como pensar em uma universidade autônoma se a própria eleição para reitor é controlada pelo MEC?

Professor Adilson Gurgel Com o devido respeito ao pensamento em contrário, as regras eleitorais não são ditadas pelo MEC. Elas estão hoje presentes em um diploma legal que pode ser modificado por pressão popular das universidades em si. Além do mais, as normas internas de consulta são determinadas pela própria universidade. Mas, admitindo-se como verdadeira a informação que você faz, tem-se  que verificar que a autonomia universitária não se restringe somente à eleição de reitor. Ela é muito mais ampla. Além do mais, toda administração das universidades pública é colegiada. E os órgãos colegiados podem até cassar o mandato do reitor se ele praticar determinados atos de improbidade.

 

Aprendiz de Jornalista — Caso o reitor eleito pela comunidade não tenha a "simpatia" do MEC, o Sr. aprovaria uma intervenção por parte do governo, como aconteceu com o Vilhena na UFRJ? E se fosse o Sr. o indicado? 

Professor Adilson Gurgel Não se deve jamais aprovar ingerências externas dentro da universidade pública. Isso significa a quebra da sua própria autonomia. Portanto, não devemos aprovar intervenções por parte do Governo. Quanto a segunda questão, acho que a resposta é a mesma: não concordo com intervenção dentro da Universidade. Devemos adotar como lema a frase do saudoso Prof. Otto de Brito Guerra, quando a polícia quis invadir a velha Faculdade de Direito da Ribeira, na época da ditadura militar: "Na minha faculdade só entra quem fez vestibular!"

 

Aprendiz de Jornalista — A questão de a universidade ter um procurador subordinado ao governo não prejudica sua autonomia? Na UFRJ, o atual reitor nomeou, através de um conselho superior, um assessor para cuidar das questões de ordem jurídica daquela universidade, passando assim, por cima das ordens da União. Como o Sr. vê o autoritarismo do MEC e a resposta dada pelo reitor da UFRJ?

Professor Adilson Gurgel Sou advogado e como tal sei o que é ter independência para defender um cliente. Não é possível um advogado, nem mesmo da União, defender Deus e o diabo ao mesmo tempo. Inclusive, isso fere o Código de Ética da OAB. Muitas vezes, os interesses da Universidade pública não são  o mesmo da União. Casos existem em que a Universidade tem que dar entrada em alguma ação judicial contra a União. E quem vai assinar o pedido? Não resta a menor dúvida que, da maneira como está posta, a Universidade é obrigada a contratar um advogado independente! Assim, age de forma certa o reitor que, na defesa dos interesses de sua instituição e de sua comunidade não titubeia em contratar advogado com poderes específicos para representá-lo em juízo. No meu caso específico, eu mesmo poderia assinar essa petição. Nada me impede. E a luta é nobre.

 

Aprendiz de Jornalista — O que o sr. acha da lei de inovação tecnológica que atualmente tramita no Congresso Nacional? Acarretaria ou não no fechamento de alguns cursos e na aceleração do processo de privatização das universidades federais?

Professor Adilson Gurgel Esse assunto só é possível ser discutido com o texto na mão. Até por cuidado acadêmico, não pode um professor pura e simplesmente fazer a
afirmação de que o caos se aproxima. Quanto ao processo de privatização das universidades federais, depende muito de você e de mim. Depende de todos que defendemos a Universidade pública e gratuita, com ensino de qualidade. Se ficarmos apáticos, veremos nosso jardim ser todo destruído, como no realístico poema de Bertold Brecht.

 

Aprendiz de Jornalista — Universidade autônoma: Utopia ou realidade?

Professor Adilson Gurgel Certa vez, Eduardo Galeano escreveu o seguinte, comparando a utopia ao horizonte:

"Se eu dou um passo, o horizonte se afasta um passo.
Se dou dois passos, mais dois passos ele se afasta.
Se dou dez, vinte, trinta... mais dez, vinte, trinta passos ele se afasta.

Assim a utopia.
Então, para que serve a utopia?
Ela serve para isso: para caminharmos."
 

Assim sendo, meu caro Rafael, prefiro caminhar.
E você?

 

(*) Foto Tribuna do Norte