APRENDIZ DE JORNALISTA
JORNAL ON LINE LABORATÓRIO/UFRN SETEMBRO 2002


 

COMO RECUPERAR O ADOLESCENTE INFRATOR?

 

 

 

           

 

 Foto: Estadão

 

          “Eu não me recuperei, porque as condições de lá não favorecem. Eu ainda mantenho contato com alguns ex-internos de lá, mas nenhum deles está recuperado. Pior, muitos já foram para a cadeia”, afirma B.B., 18 anos, que cumpriu medida sócio-educativa com privação de liberdade, em instituição de recuperação de adolescentes infratores.

            O Estatuto da Criança e do Adolescente completou 12 anos no dia 13 de julho de 2002. Nesse sentido há de se lembrar a sua indiscutível qualidade, que se tornou uma referência mundial em termos de legislação da infância, pois trata-se de uma lei moderna e direcionada para a realidade atual. Contudo, há uma grande dificuldade para a implementação dessa lei, e esse “não cumprimento” acaba por prejudicar algumas atividades baseadas no Estatuto, entre elas a recuperação dos adolescentes infratores, um dos grandes problemas da sociedade. Para se ter uma idéia, o Brasil tem hoje cerca de 20.000 adolescentes infratores, dos quais 8.000 estão encarcerados em unidades de recuperação espalhadas pelo país.

            Recentemente, foram divulgados os números de uma pesquisa (inédita) realizada aqui no Rio Grande do Norte, a qual revela a situação de 77 adolescentes que foram submetidos a algum tipo de medida sócio-educativa nas unidades de recuperação mantidas pela FUNDAC (fundação estadual da criança e do adolescente). Através dos resultados dessa pesquisa, foi possível traçar o perfil do adolescente infrator do RN: jovem entre 16 e 18 anos, do sexo masculino, que não estuda ou estudou até a quinta série do ensino fundamental, faz uso de drogas e tem renda familiar entre um e dois salários mínimos. Ainda de acordo com a pesquisa, com relação às infrações cometidas por esses adolescentes, 34,88 % foram de furto, 19,77 % roubo, 12,79 % lesão corporal, 8,14 % porte ilegal de arma, 5,81 % tentativa de homicídio, 3,49 % homicídio, 3,49 % atentado ao pudor, 2,33 % dano, e 1,16 % para estupro, tráfico de drogas, estelionato, receptação, tentativa de roubo, ameaça e contravenção na lei de trânsito. Os dados dessa pesquisa refletem apenas os processos graves, quando os adolescentes são encaminhados à justiça e, no caso de condenação, são levados para o Centro Educacional Pitimbú (CEDUC), onde poderão permanecer até três anos submetendo-se à medida sócio-educativa com privação de liberdade.

            Mas, será que esses centros de reabilitação estão cumprindo o seu papel, ou seja, estarão eles ressocializando, de fato, os adolescentes? Para obter essa e outras respostas, além de saber como está a atual situação do CEDUC, entramos em contato com algumas pessoas ligadas diretamente a esse processo, o qual deve ser avaliado sob a ótica de alguns aspectos que, em conjunto, determinam o seu resultado.

            O primeiro ponto a ser avaliado é em relação à estrutura física da instituição, cuja situação não é nada animadora: “A estrutura física do CEDUC é absolutamente desaconselhável, está fora de várias situações e falha de vários parâmetros”, explicou Manoel Onofre de Souza Neto, promotor da Infância e Juventude. O juiz auxiliar da Infância e Juventude, João Cabral da Silva, vai mais além: “A estrutura física do CEDUC não deixa a desejar em nada às piores prisões da Idade Média”. Portanto, para ambos, o espaço físico onde o Centro está localizado e como ele está estruturado, não correspondem ao processo pedagógico do Estatuto da Criança e do Adolescente. Outro ponto importante, no processo de ressocialização, é o que a instituição oferece ao adolescente, ou seja, sua proposta pedagógica. De acordo com o promotor, o CEDUC não tem um projeto pedagógico claro, discutido, uma linha de atuação objetiva. Reforçando esse pensamento, o juiz afirma que: “É muito tímida a ação governamental nesse sentido, e a gente às vezes, nós juízes que operamos nessa área, nos sentimos participando de uma “farsa”, porque o ideal da medida sócio-educativa, que é realmente ressocializar o indivíduo, não está tendo o efeito planejado pela lei”, enfatizou.

            Então, por que esse processo não está tendo o efeito esperado? Isso se deve a alguns fatores: A falta de uma estrutura física e pedagógica no CEDUC; o despreparo dos funcionários; e principalmente, a falta de um trabalho direcionado à família do adolescente, como explica o juiz: “O adolescente está sendo tratado, está sendo colocado em internamento e não está sendo feito um trabalho com a base, que é a família. Então, se a base da sociedade e de onde o garoto proveio é a família, e se não está sendo feito um trabalho com essa família, qualquer esforço que se faça é em vão, pois quando o garoto sai do internamento e retorna para o seio familiar, ele não encontra as condições necessárias para se reeducar. Então ele não tem outra alternativa a não ser retornar para o mundo da infração”. Essa é a maior causa da reincidência.

 A situação atual que o CEDUC vive pode ser muito bem resumida pelo depoimento de B.B., um ex-interno: “No dia-a-dia eu ficava mais trancado. De vez em quando, tinha alguma aula ou outra atividade do tipo, mas mesmo assim, não era organizada. O ambiente lá é muito ruim, tem pessoas que não ajudam e nem ligam para os internos. Algumas pessoas iam trabalhar de mau humor, e acabavam descontando nos internos. Por isso, eu cheguei a fugir de lá duas vezes”.

Diante desse quadro, a diminuição da idade penal seria uma solução? De acordo com o juiz, “reduzir a idade penal é só uma transferência, pois aquilo que seria trabalhado na esfera da infância e da adolescência, passaria a ser trabalhado na esfera da justiça comum. Uma coisa é igual à outra”. Então, qual seria a solução? A solução seria um maior investimento do governo na estrutura e na capacitação dos funcionários, aliado ao cumprimento do Estatuto. “O processo de conquista da lei foi muito interessante, mas agora a gente tem que trabalhar um outro processo, que é o processo de materialização efetiva dessa lei”, afirmou o promotor da Infância e da Juventude.

 


Riccelli de Araújo Medeiros (repórter); David Emanuel de Souza (editor); Thomaz Edson Cavalcante Vale (produtor).