A Arte da Guerra

 

Alexandro Carlos de Borges Souza (*)

 

 

 

Sun Tzu, por volta do ano 400 antes de Cristo, apresentou seu livro para Ho-lü, ou Wu Helu, rei do pequeno povo semibárbaro de Wu. O rei, após ler os treze capítulos, chamou Sun Tzu e elogiou seu trabalho. Perguntou se era possível utilizá-lo com suas tropas. Sun Tzu respondeu com alegria que sim. Depois perguntou o rei, em tom de zombaria, se poderia aplicá-lo às mulheres. O general, ressentido, disse sim.
O rei imediatamente mandou reunir suas 180 concubinas no pátio do palácio e lhes deu armas. Sun Tzu dividiu-as em dois grupos, liderados pelas duas favoritas do rei, que a tudo assistia do púlpito. E então perguntou:
- Vocês conhecem as posições "frente", "esquerda", "direita" e "retaguarda"?
- Sim. Responderam as moças, que estavam dispersas e riam da situação.
- Ótimo, pois quando eu disser "frente" olhem para frente. Quando eu disser "esquerda", "direita" e "retaguarda" olhem nessas direções. Façam o que eu mandar. Está claro? 
Mas uma vez, as moças responderam que sim por entre os risinhos.
Sun Tzu sinalizou para a guarda e falou:
- Estejam prontos para punir quem me desobedecer. - Os guardas prontamente desembainharam suas espadas.
O general levantou sua bandeira e sinalizou, gritando a plenos pulmões:
- Frente!. - As concubinas desataram a rir, displicentes. Sun Tzu refletiu:
- A incapacidade de dar ordens claras é uma falha do comandante. Explicarei novamente. Quando eu disser "frente", "esquerda", "direita" e "retaguarda", olhem nessas direções.
Levantou novamente sua bandeira e apontando para o lado gritou: 
- Esquerda!
As moças desataram a gargalhar.
Sun Tzu falou:
- A incapacidade de dar ordens claras é uma falha do comandante. Mas quando elas são claras, a culpa é dos soldados. 
Assim, ordenou aos guardas:
- Matem quem me desobedeceu! Poupem as moças, mas não suas líderes!
As moças, acuadas, pediram piedade ao rei, que interveio:
- Sei agora que você é um bom comandante, mas não gostaria de perder minhas concubinas favoritas. Deixe-as ir, não as mate. - Pediu o rei, animado com a cena.
- Não. - Retrucou Sun Tzu - Como comandante, não posso aceitar interferências no comando das tropas.
Virou-se para os guardas e ordenou:
- Executem-nas em público! - E os soldados, sem o menor traço de piedade, obedeceram. O rei e as concubinas assistiram ao espetáculo aflitos.
Sun Tzu escolheu mais duas moças para liderar as tropas e orientou-as novamente. Desta vez nenhuma moça ousou rir e todas elas marcharam de acordo com o rufar dos tambores.
O general dirigiu-se ao rei e exortou:
- Elas agoras estão treinadas e prontas para a inspeção, majestade. Podereis usá-las como bem entender, estão prontas para realizar a tarefa mais difícil em vosso nome.
O rei, contrariado, retirou-se. Mas reconheceu o gênio de Sun Tzu e nomeou-o General de suas tropas. Neste período o pequeno estado Wu anexou os reinos ao norte e oeste, transformando-se numa grande potência graças aos feitos de Sun Tzu.

Somente em 1772, por intermédio da tradução para o francês do padre J. J. M. Amiot, o ocidente pode ter acesso ao texto integral de A Arte da Guerra e é bem possível que tal publicação tenha caído nas mãos de Napoleão. Hoje é impossível existir uma escola militar que ignore seu conteúdo. Era o "livro de cabeceira" de Mao Tse Tung.

Se existe um propósito no qual toda a evolução tecnológica do homem é empregada com mais afinco, certamente é na criação de artefatos bélicos. É de espantar-se então que toda academia militar que se preze tenha como leitura obrigatória uma obra escrita quatrocentos anos antes de Cristo, quando os homens guerreavam com armas tão rústicas quanto espadas, flechas, paus e pedras.

Como explicar a longevidade de uma obra como A Arte da Guerra, do general chinês SunTzu, se os instrumentos de batalha evoluíram tanto no espaço de tempo entre o surgimento deste texto milenar e os nossos dias?
Uma pista estaria na maioria dos tratados militares feitos pelos gregos e romanos, que sempre tiveram a preocupação de discutir uma estratégia em particular, ou de resolver um problema de ordem tática. Eles discutiam planos mirabolantes que se aplicavam a uma única situação, como os estratagemas propostos por Arquimedes. Sun Tzu garantiu seu espaço na posteridade ao observar os aspectos constitutivos da guerra, seus elementos formadores. Ateve-se aos pontos que são comuns a todas as batalhas e com isso foi além de todas elas.
O autor usa como ponto de partida o importante papel que a guerra desempenha na vida social, sendo a causa da desgraça dos povos. Analisa sua influência na economia e observa o quanto ela é prejudicial ao povo; como general, sabia o quanto a manutenção das tropas custava ao Estado e como a passagem das tropas aumentava a inflação nas províncias. Assim, é do interesse de todos que o conflito, quando necessário, seja resolvido de maneira sucinta, diminuindo a extensão dos danos que invariavelmente provoca.
A partir daí, Sun Tzu avalia que elementos devem ser levados em consideração pelo general na busca pelo êxito, salientando sempre a constante necessidade de avaliação da situação estabelecida e de planejamento do passo seguinte. O centro da estratégia é deslocado para o inimigo. Uma vez que sempre os mesmos fatores (terreno, clima, disciplina, comando e moral) devem ser examinados sob a luz das situações possíveis, cabe ao general observar o cumprimento de tais diretrizes e esperar que o inimigo deixe de realizar uma delas para atacar. Só através de toda essa preparação uma nação poderia tornar-se apta a entrar em um conflito armado e obter chances de vitória.
É interessante notar como o general chinês e Maquiavel aproximam-se por caminhos opostos. Como gênio militar, Sun Tzu observa a necessidade da política no jogo da guerra. Já o pensador italiano parte da política para perceber o jogo da guerra. Ambos consideravam a dissimulação um elemento essencial no trato com os inimigos. Vale salientar que dificilmente Maquiavel teve acesso ao texto chinês, visto que a primeira tradução de A Arte da Guerra no Ocidente só viria a aparecer em 1772.
A questão da espionagem, que é fortemente defendida na Arte da Guerra, tem o embasamento lógico de que numa guerra necessita-se de informações, de fontes seguras, sobre o inimigo. Sun Tzu utiliza-se do artifício maquiavélico dos "fins que justificam os meios" para poder passar por cima do forte código moral da época e legitimar o ardil. 
Outra área que também foi explorada de maneira afim foi a Psicologia Social, através de uma série de atitudes a serem tomadas no trato com as massas, tendo em vista um efeito em particular. Se por um lado Maquiavel orienta de que maneira o governante deve lidar com os súditos, Sun Tzu preocupa-se com o que deve fazer um general para ser respeitado e temido por seus subordinados e opositores, além de ensinar a reconhecer o verdadeiro estado emocional reinante entre as tropas. Estas são as semelhanças mais significantes entre as obras.
Aos olhos de hoje, tais idéias nos parecem arrojadas. Agora, imagine que avanço significaram entre os povos semibárbaros que habitavam a China de 2.400 anos atrás, onde guerras poderiam ser provocadas por uma simples desfeita, movidas pelo ímpeto.

Pode parecer estranho querer relacionar o Tao ao tema da guerra. Mas se levarmos em consideração que o Taoísmo é a base da sabedoria popular chinesa, veremos que o princípio deste pensamento permeia toda a construção de A Arte da Guerra. 
Os dois livros provêm do mesmo período histórico da China Antiga; poderia-se contra-argumentar que A Arte da Guerra tem como objetivo o ensino de um ofício do mal. Algo, aliás, que realiza tão bem que até hoje é utilizada com esse fim. Ora, o Tao Te King, livro que contém a essência do pensamento taoísta, diz:
" Quando todos reconhecem o bom como bom, isso em si mesmo é mau."
O oposto também é perfeitamente aplicável à essência da guerra. Se ela é de todo o Mal, em si mesma será o Bem. Uma vez que a perspectiva é de inevitabilidade do conflito, o total domínio de sua dinâmica permite a realização somente do mal estritamente necessário. O bem residirá na concretização de um mal menor.
Levando adiante essa política dos opostos sugerida pelo Tao, Sun Tzu considera que o exército sempre deve aparentar o contrário do que é. Parecer incapaz para ser capaz, parecer inativo para ser ativo, etc. Ter sempre uma visão espelhada. Assim, um general não constrói uma estratégia, ele destrói a do inimigo.
Ao descrever como deve agir um general, Sun Tzu aproxima-se mais e mais do conceito que o Tao Te King descreve de um sábio, idealizando a figura do militar. "Se podemos compreender e abranger o todo, somos capazes de fazer justiça", diz o Tao. Esse é o princípio de A Arte da Guerra, o domínio total dos elementos envolvidos. O general deve ser discreto, humilde, indiferente aos seres em prol de um objetivo superior. É um bom diplomata e um bom administrador, além de ser um bom guerreiro.
A guerra desenvolve-se, a partir desses pontos, como uma resposta natural às situações impostas. O preparo ideal das tropas permite que se lute visando o erro do inimigo, ou mesmo provocando-o com antecedência. É o ensinamento taoísta de só agir no momento oportuno. 
Outros aspectos, como a natureza aforística da obra, contribuem para sua beleza e força metafórica, fazendo a Arte da Guerra ultrapassar os limites do tempo, tendo influenciado grandes líderes como Mao Tse Tung e Napoleão, e quebrar as barreiras do gênero, visto que o livro é empregado hoje em dia no treinamento de jovens executivos, sendo constantemente adaptado também para outras áreas do conhecimento.


 


BIBLIOGRAFIA:

 

TZU, Sun. A Arte da Guerra. Coleção Leitura. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996.

 

TSE, Lao. Tao Te King. versão de Paulo Condini. São Paulo: Lemos Editorial, 1998.


 

(*) Alexandro Carlos de Souza é um promissor estudante de Comunicação Social da UFRN.