Émile Durkheim

  Micarla Xavier Alves (*)

A sociologia do francês Émile Durkheim (1858-1917) adota uma posição que rejeita as interpretações biológicas ou psicológicas do comportamento dos indivíduos, este focaliza os determinantes sócio-estruturais na explicação da vida e dos problemas sociais.  Para ele, existem “fatos sociais” que são o assunto da sociologia e que influenciam e condicionam as atitudes e os comportamentos dos indivíduos na sociedade.  Esses fatos sociais são reais, objetivos, sólidos, sui generis, isto é, não reduzíveis a realidades biológicas, psicológicas, climáticas, etc.  Esses fatos sociais são relações sociais exteriores aos indivíduos que perduram no tempo, enquanto indivíduos particulares morrem e são substituídos por outros.  Os fatos sociais não são somente exteriores ao indivíduo mas possuem “um poder coercitivo... pelo qual se impõem a ele, independentemente de sua vontade individual”.  Os constrangimentos, seja na forma de leis ou costumes, se manifestam cada vez que as demandas sociais são violadas pelo indivíduo.  Assim, para Durkheim, o indivíduo sente, pensa e age condicionado e até determinado por uma realidade social maior, a sociedade ou a classe.  Durkheim define o fato social como “cada maneira de agir, fixa ou não, capaz de exercer um constrangimento (uma coerção) externo sobre o indivíduo”.  Alguém pode, por exemplo, pensar que age por vontade e decisão pessoal; na realidade, age-se deste ou daquele modo por força da estrutura da sociedade, isto é, das  normas e padrões estabelecidos.

A SOCIOLOGIA ESTRUTURAL DE DURKHEIM

A sociologia estrutural de Durkheim difere completamente da de Marx.  Enquanto Marx insiste nos conflitos e na luta entre as classes, colocando as relações de poder e a força como centrais à explicação da sociedade, o sociólogo francês vê a sociedade como integrada, formando um todo coeso e mantido por regras de convivência.  A integração não é sempre a mesma, mas está sempre presente, se não fosse assim não haveria sociedade.  Um dos elementos da integração é a intensidade com que os membros de um grupo ou de uma sociedade interagem entre si.  A participação em rituais, por exemplo, tenderá a unir os membros de grupos religiosos.  Também, trabalhos diferenciados mas complementares provocam um aumento na integração de grupos de trabalhadores.

  A idéia fundamental de Durkheim é que indivíduos que participam dos mesmos grupos e da mesma sociedade compartilham valores, crenças e normas coletivas que os mantém integrados.  Um sociedade somente pode funcionar se tais valores, crenças e normas constrangem as atitudes e os comportamentos individuais provocando uma solidariedade básica, que orienta as ações dos indivíduos.  Durkheim  usa a expresssão “consciência coletiva” para expressar essa solidariedade comum que molda as consciências individuais.  A família, o trabalho, os sindicatos, a educação, a religião, o controle social e até a punição do crime são alguns mecanismos que criam e mantêm viva a integração e a partilha da consciência coletiva.  Os processos de socialização e internalização individual são responsáveis pela aquisição por parte dos indivíduos de valoes, crenças e normas sociais que mantêm os grupos e as sociedades integrados.  O controle social reforça o domínio da sociedade sobre os indivíduos.       

Durkheim, evidentemente, sabia da existência de fenômenos tais como conflitos sociais, crises, marginalidade, criminalidade, suicídio, etc, em todas as sociedades.  Nem tudo nas sociedades é integração, consenso e harmonia.  Mas, para ele, essas formas de “desvios” sociais não eram conseqüências da perversão ou de aberrações dos indivíduos; eram, sim,  conseqüências da própria estrutura social que, enfraquecida, produzia um estado de anomia, isto é, um estado de enfraquecimento ou ausência de leis e normas.  Sem normas claras, os indivíduos não sabem como agir e se entregam à ganância, às paixões, ao crime e mesmo ao suicídio.  Numa sociedade fraca, o indivíduo perde o norte e se perde e os processos de socialização e internalização de normas se tornam ineficientes.  A sociedade fica, então, ameaçada por não impor limites aos indivíduos que Durkheim concebia como cheios de desejos ilimitados.  “Mais os homens possuem, mais eles querem, já que as satisfações estimulam em vez de preencher as necessidades”.

Durkheim julgava que a sociedade industrial, marcada por uma ampla divisão social do trabalho, precisava com urgência de um conjunto de valores comuns a todos os indivíduos, isto é, de solidariedade para superar seus muitos conflitos.  A necessária integração da sociedade moderna seria dada, em parte, pensava Durkheim, pela interrelação e pela dependência mútua dos diversos papéis desempenhados pelos indivíduos.  Mas isto não seria suficiente;  a construção de um conjunto de crenças seria necessária.  Para tanto, Durkheim, um liberal, não pensava no uso da força ou de ações repressivas.

A solidariedade social haveria de surgir da autonomia individual da conduta dos indivíduos, já que a crescente divisão social do trabalho criava um saudável individualismo.  Arregimentar os indivíduos não adiantaria de nada; o convencimento pela educação e pela religião deveria ser a função principal da família, da escola, dos sindicatos, das associações e do Estado.

A preocupação sociológica de Durkheim, portanto, reside em responder à seguinte pergunta: como a sociedade é possível e funciona?  Sua resposta consiste em enfatizar a capacidade e a força da própria sociedade em difundir solidariedade, integração, ordem, por meio de valores, crenças, normas e regras que indivíduos devidamente socializados compartilhariam.

Na sociologia de Durkheim, a sociedade é tão forte que a individualidade quase desaparece.                            

CONCLUSÃO

Antes de indagarmos qual o método que convém ao estudo dos fatos sociais, é necessário sabermos que fatos podem ser assim chamados.  A questão é tanto mais necessária quanto esta qualificação é utilizada sem muita precisão. Empregam-na correntemente para designar quase todos os fenômenos que se passam no interior da sociedade, por pouco que apresentem, além de certa generalidade, algum interesse social.  Todavia, desse ponto de vista, não haveria por assim dizer nenhum acontecimento humano que não pudesse ser chamado de social.  Cada indivíduo bebe, dorme, come, raciocina e a sociedade tem todo o interesse em que estas funções se exerçam de modo regular.  Porém, se todos esses fatos fossem sociais, a sociologia não teria objeto próprio e seu domínio se confundiria com o da biologia e da psicologia.

Na verdade, porém, há em toda sociedade um grupo determinado de fenômenos com caracteres nítidos, que se distingue daqueles estudados pelas outras ciências da natureza.

Quando desempenho meus deveres de irmã, de filha ou de cidadã, quando me desincumbo de encargos que contraí, pratico deveres que estão definidos fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes.

Mesmo estando de acordo com sentimentos que me são próprios, sentindo-lhes interiormente, a realidade, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu quem os criou, mas recebi-os  através da educação.  Contudo, quantas vezes não ignoramos o detalhe das obrigações que nos incumbe de desempenhar, e precisamos, para sabê-lo, consultar o Código e seus intérpretes autorizados! Assim também o devoto, ao nascer. Encontra prontas as crenças e as práticas da vida religiosa; existindo antes dele, é porque existem fora dele.

O sistema de sinais de que me sirvo para exprimir pensamentos, o sistema de moedas que emprego para pagar as dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas relações comerciais, as práticas seguidas na profissão, etc, funcionam independentemente do uso  que delas faço.  Tais afirmações podem ser estendidas a cada um dos membros de que é composta uma sociedade, tomados uns após outros.  Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais.

Estamos diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem.  Por conseguinte, não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, pois consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, que não existem senão na consciência individual e por meio dela.  Constituem, pois, uma espécie nova e é  a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais.